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Oesterheld e o fantástico

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OESTERHELD E O FANTÁSTICO

Este post é dedicado à memória de Elsa Sanchez Oesterheld, que no dia 22 de Junho de 2015 se juntou ao marido e às filhas, encontrando finalmente a paz.

A recente publicação em Portugal, integrada na colecção Novela Gráfica, de Mort Cinder, obra maior de Alberto Breccia e Hector Oesterheld, surge como o pretexto ideal para dar a conhecer aos leitores da revista BANG! um pouco mais sobre a vida e obra do maior argumentista de língua espanhola e sobre a forma como o fantástico, seja através do terror ou da ficção científica, está bem presente nessa obra.
Nascido em Buenos aires em 1919, de uma família onde se cruzavam as ascendências basca e alemã, Hector German Oesterheld (HGO) formou-se em geologia, mas isso não diminuiu o seu interesse pela leitura e pela escrita. Aos 23 anos, quando já estava a trabalhar numa empresa de exploração petrolífera, publica o seu primeiro conto no suplemento literário dominical do jornal LA PRENSA, jornal em que começou a trabalhar como revisor, até ir trabalhar no laboratório de mineração do Banco de Crédito Industrial. Nos anos seguintes, vai tentando conciliar a escrita com a actividade de geólogo, até acabar por se dedicar inteiramente à escrita, em meados da década de 40, escrevendo sobretudo livros de divulgação e contos infantis.
Em 1951, o dono da Editora Abril propôs-lhe escrever para Banda Desenhada, género que Oesterheld não lia nem apreciava especialmente, mas onde tentou fazer “o melhor que sabia”, com os resultados que conhecemos… O primeiro argumento que escreveu foi para Ray Kitt, uma série policial ilustrada por Hugo Pratt, o criador de Corto Maltese, então radicado na Argentina. Embora as colaborações com Pratt, que disse “aprendi muito com Oesterheld. Do ponto de vista da técnica narrativa, aprendi mais do que com qualquer outro” sejam em histórias realistas, como Sgt Kirk, um western, ou Ernie Pike, uma história de guerra, rapidamente o seu nome aparece associado à ficção científica, estando ligado, como editor, tradutor e autor, à revista MAS ALLÁ, publicação pioneira da FC na Argentina, que deu a descobrir naquele país autores como Ray Bradbury, ou Isac Asimov, em traduções de Oesterheld.
Para a revista DRAGON BLANCO, lançada em 1955, HGO escreve cinco séries, duas quais, Chas Erikson e Lobo Nuncan, são de FC, tal como acontece com Uma Uma, história ilustrada por Solano Lopez, que escreve para a revista RAYO ROJO, sobre uma ilha do Pacífico invadida por extraterrestres. O tema desta sua primeira colaboração com Solano López é desenvolvido em outros trabalhos que farão juntos dois anos depois, a série Rolo, el Marciano Adoptivo e, sobretudo, El Eternauta, considerada como a mais importante BD argentina de todos os tempos, de tal maneira que o dia 4 de Setembro, em que chegou às bancas a revista HORA CERO com o primeiro capítulo de El Eternauta, é considerado oficialmente desde 2005 como o Dia Nacional da BD (Historieta) na Argentina.
Publicada ao longo de dois anos na revista HORA CERO SEMANAL entre 1957 e 1959, El Eternautaé o relato da invasão da cidade de Buenos Aires por forças extraterrestres, relato que é feito por um dos sobreviventes, Juan Salvo, a um escritor de BD que, embora nunca seja nomeado, tudo indica que seja o próprio autor, pois é a casa onde vivia o escritor que Solano López desenha aparecendo assim Oesterheld como personagem da sua própria história, num exercício de meta-ficção.
Tudo começa com a queda de uma estranha neve fluorescente que mata ao contacto com a pele, neve essa que abre o caminho para uma invasão extraterrestre comandada pelos Ellos, seres que nunca veremos, e executada por tropas de assalto compostas por seres de outros planetas, como os Cascarudos, animais de grande porte parecidos com escaravelhos gigantes, e os Manos, semelhantes aos humanos, com a excepção das mãos com imensos dedos, povos conquistados pelos Ellos e usados como carne para canhão na invasão ao planeta Terra.
Depois de uma série de peripécias, em torno do combate desigual dos sobreviventes contra os invasores, Juan Salvo entra acidentalmente numa máquina dos invasores que o transporta para outras dimensões, para longe da sua família, transformando-o “num peregrino através dos séculos, um viajante na eternidade, um ETERNAUTA”.
Uma dessas muitas viagens pelo espaço e pelo tempo trá-lo finalmente de volta a Buenos Aires, em 1959, onde encontra um escritor a quem conta o que se irá passar anos depois (a acção da história decorre em 1963) para que este, através da Banda Desenhada, avise os leitores para o que está para acontecer.
Se as histórias de invasões extraterrestres não eram propriamente novidade, muito menos na obra de HGO, o que já era novidade, era uma invasão que tivesse como cenário a cidade de Buenos Aires, onde viviam a maioria dos leitores de HORA CERO, que reconheciam com facilidade os cenários desenhados com rigor fotográfico por Solano Lopez e se identificavam com Juan Salvo e os seus amigos, grupo heterogéneo na sua composição social que representava os vários extractos da sociedade argentina e que é o verdadeiro herói da história, como salienta Oesterheld: “O verdadeiro herói de El Eternautaé um herói colectivo, um grupo de homens. Isso reflecte, embora sem intenção prévia, as minhas convicções: o único herói válido é o herói “em grupo”, nunca o herói individual, o herói solitário”.
Para além da dimensão espectacular da aventura, e de algumas cenas fortíssimas, como a sequência inicial com a neve mortal, ou a forma como é gerida a entrada em cena dos Gurbos, de quem vemos primeiro as pegadas e depois o rasto de destruição que causam, antes de os vermos finalmente, esta história de um grupo de indivíduos normais colocados numa situação excepcional, tem momentos de pura poesia, como é o caso da magnífica cena em que um dos Manos (seres pacíficos, obrigados a combater pelos Ellos, que lhes infiltraram uma “glândula de terror”, que liberta uma substância que os mata caso sintam medo) se despede da vida cantando uma estranha canção.
Ainda El Eternauta estava em publicação quando o escritor cria para a revista EL TONY, da editorial Columba, a série Star Kenton, uma saga espacial, ilustrada por Walter Casadei e protagonizada por um cientista e piloto que, depois de salvar a terra de uma invasão extraterrestre, se assume como um vigilante espacial
Em 1959, ao mesmo tempo que continua a desenvolver outras séries, de diversos géneros, com diferentes desenhadores, HGO inicia a sua colaboração com Alberto Breccia em Sherlock Time, uma história policial com toques de ficção científica e de fantástico, protagonizado por um detective que podia viajar no tempo, história que serviu ponto de partida para Mort Cinder, série igualmente protagonizada por um personagem com capacidade de viajar no tempo, mas neste caso, através das memórias que a descoberta de um objecto lhe trazem de vidas passadas.
Série em que o fantástico e o terror convivem com uma visão profundamente humana da história, Mort Cinder é um marco na história da BD mundial, muito por força do extraordinário trabalho gráfico de Breccia, cuja importância Oesterheld reconhece ao referir: “Há sofrimento, tormento em Mort Cinder. Isso reflecte talvez o meu estado de alma particular, mas o essencial dessa atmosfera vem de Breccia. Há uma quarta dimensão no seu desenho, uma capacidade de sugestão que o distingue da maioria dos desenhadores que conheço. É essa força constantemente aplicada, que dá ao seu desenho todo o seu valor e inflama a imaginação dos argumentistas.”
Entre as dezenas de séries que o escritor cria nos anos seguintes, ressaltam dois super-heróis, Bird Man e Future Man. Um advogado americano que decide combater o crime depois de encontrar um punhal que lhe dá superpoderes e um cientista e explorador nascido no século XXV que consegue viajar no tempo, que vão ter direito cada um à sua própria revista.
Em 1969, HGO vai recuperar, agora com arte de Alberto Breccia, El Eternauta. Publicada agora na GENTE, uma revista semanal de informação, esta ficção apocalíptica protagonizada por um indivíduo que, tal como Sherlock Time e Mort Cinder, não está sujeito às leis do tempo, podendo, ao atravessar um portal dimensional, aparecer num outro local ou época, não teve a aceitação que merecia e os autores esperavam.
Talvez devido às mudanças na própria história (nesta nova versão, em vez de uma invasão global, as grandes potências fazem um acordo com os invasores extraterrestres, entregando-lhes a América do Sul) algo perturbador para as consciências ociosas dos leitores da revista GENTE, ou ao grafismo de Breccia, a milhas do estilo mais convencional de Solano López e demasiado abstracto para o gosto do público, que tem dificuldade em reconhecer a cidade de Buenos Aires nas colagens de Breccia, choveram as cartas de protesto e o editor decidiu acabar com a série, pedindo desculpas aos leitores. Isto permite perceber o final circular da história (a melhor maneira que Oesterheld encontrou de concluir rapidamente a narrativa) e o desequilíbrio dos capítulos finais, em que o escritor condensou em quatro ou cinco páginas, repletas de texto, uma acção inicialmente prevista para ocupar quinze ou vinte páginas.
De qualquer modo, e apesar deste final inglório, estamos perante um trabalho graficamente inovador, em que Breccia, aqui claramente seduzido pela arte contemporânea, visível nas inúmeras referências à "Op Art" e à "Pop Art", começava a utilizar a técnica da colagem, abrindo caminho para o que iria ser uma característica marcante da sua produção na década seguinte.
Conforme refere HGO: “A versão de El Eternauta publicada na GENTE foi um fracasso. E fracassou porque não era para essa revista. Eu era outro, não podia escrever o mesmo. E Breccia, por seu lado, também era outro. Este Eternauta tinha as suas virtudes e também os seus defeitos. Por um lado, a mensagem literária, por outro, a mensagem gráfica. Quanto à mensagem literária, apercebi-me, muito mais tarde, que me tinham suprimido parágrafos inteiros. (…) Em relação à parte gráfica, o verdadeiro final foi quando chamaram o Breccia e lhe explicaram que havia um desfasamento com o que o público queria e lhe pediram que suavizasse a coisa. Avisaram-no mais duas ou três vezes, mas ele nunca fez caso. Não aceitou fazer modificações e então decidiram acabar com El Eternauta”.
Se o escritor iria voltar ao tema da invasão extraterrestre logo no ano seguinte com La Guerra de los Antartes, uma história publicada inicialmente em 1970 na revista 2001, com desenhos de Léon Napoo, que teve direito a uma nova versão em 1974, com desenhos de Gustavo Trigo, no jornal NOTICIAS, El Eternauta regressaria numa segunda aventura desenhada por Solano López, cuja publicação se iniciou em 1976, na revista SKORPIO. Escrita por HGO então já na clandestinidade, devido à sua ligação activa ao movimento Montonero, a história terminou a sua publicação numa altura em que Oesterheld já tinha “desaparecido” às mãos da ditadura militar argentina e provavelmente já nem estaria vivo, tal como as suas quatro filhas, que também eram militantes activas da guerrilha montonera.
Nesta história, passada num futuro próximo, em que a invasão extraterrestre tinha sido bem-sucedida, Oesterheld não se limita a escutar as aventuras de Juan Salvo, o Eternauta, mas participa activamente nelas como membro da resistência, pois o escritor que nos episódios anteriores não tinha nome, surge agora identificado como German, o nome do meio de HGO e também o nome que ele usava enquanto militante montonero na clandestinidade. Ou seja, o personagem, tal como o seu criador, abandona uma postura passiva e assume uma opção clara pela acção directa.
Apesar do traço de Solano López mostrar uma grande evolução, o carácter marcadamente panfletário da história, faz com que esta continuação seja bastante menos interessante. Juan Salvo, em vez de um homem normal, preocupado em recuperar a sua família, surge aqui como um líder revolucionário implacável, disposto a tudo sacrificar à sua causa.
Uma mudança radical no comportamento do herói que Solano López não aceitou bem, pondo mesmo em causa que tivesse sido o próprio Oesterheld a escrever toda a história, sugerindo que o escritor poderá ter utilizado a história para passar mensagens cifradas à guerrilha montonera, no meio dos diálogos da história. De qualquer modo, o caracter panfletário desta continuação, é coerente com a forma como a obra de HGO reflecte as suas opções políticas e ideológicas. Conforme refere Carlos Trillo: “não é preciso ser um grande caçador de metáforas para associar os Ellos com os militares que tomaram o poder”. Impressão que o facto das três versões já referidas do Eternauta terem sido publicadas na sequência de golpes de estado militares, só vem reforçar.
Juan Salvo, o Eternauta, viveria ainda outras aventuras pelas mãos de Solano López. Já a memória de Oesterheld, tal como Juan Salvo, viaja para a eternidade através de obras como Mort Cinder ou El Eternauta. 
Publicado originalmente no nº 18 da revista BANG!, de Junho de 2015

Poderosos Heróis Marvel 4 - Viúva Negra: O Manto da Viúva

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Como geralmente acontece quando o editorial do volume é da minha autoria, o que nesta colecção acontece com um terço dos quinze volumes, opto por publicar aqui o editorial, em vez do texto do Público que anuncia o volume. Quem o quiser ler, basta carregar na imagem já aqui em baixo, para o ampliar. Boas leituras!


A ESPIA QUE VEIO DO FRIO

Espia soviética, refugiada no Ocidente, assassina profissional, agente da S.H.I.E.L.D. e Vingadora, a Viúva Negra é tudo isso e muito mais, mas para quem a descobriu através dos filmes da Marvel, onde é encarnada pela actriz Scarlett Johansson, Natasha Romanoff é apenas uma agente da S.H.I.E.L.D. que, apesar da ausência de superpoderes, ganhou por direito próprio um lugar de destaque nos Vingadores, o grupo que reúne os mais poderosos heróis da Marvel.
Criada originalmente por Stan Lee, Don Rico e Don Heck em 1964, em plena Guerra Fria, nas páginas da revista Tales of Suspense #52, onde enfrenta o Homem de Ferro, a Viúva Negra é Natasha Romanova - ou Romanoff, a grafia do nome vai variando, sem deixar nunca de evocar um eventual parentesco com os Romanov, a família real russa, encabeçada pelo Czar Nicolau II, executada em 1918, na sequência da Revolução de Outubro, que levou os bolcheviques ao poder - uma espia soviética, que tinha a capacidade de sedução como arma principal para conseguir os seus objectivos. Objectivos que, neste caso, passavam por roubar os segredos industriais de Tony Stark.
Vestida “à civil”, com um vestido colante, saltos altos e uma estola de pele, Natasha (o apelido não é relevado nessa primeira história, em que é tratada apenas por Madame Natasha) está bem mais próxima de outras mulheres fatais da BD, como a Dragon Lady da série Terry e os Piratas, de Milton Caniff, ou a Sand Saref, do Spirit, de Will Eisner, do que dos vilões tradicionais da Marvel. Estes confiam mais no armamento sofisticado, ou em estranhos poderes, para conseguirem o seu objectivo, nas Natasha não precisa de nenhum outro poder, para além do seu poder de atracção, e é precisamente a sua capacidade de sedução que lhe permite, cinco números depois, recrutar temporariamente para a causa de Moscovo o Gavião Arqueiro, outra personagem que começou como um vilão para se tornar um herói.
Mas não seria preciso esperar mais de dois anos para que Natasha abandonasse os seus antigos patrões e pedisse asilo no Ocidente e se juntasse, tal como o entretanto regenerado Gavião Arqueiro, aos Vingadores, de que é um membro regular, tanto na BD como no cinema. E é precisamente a sua presença ao lado dos heróis, seja pela sua filiação nos Vingadores, seja pelas relações amorosas que estabelece com alguns heróis como o Gavião Arqueiro, o Demolidor, ou até mesmo Hércules, que faz com que o leitor se esqueça que a Viúva Negra é, antes de tudo, uma espia.
Como geralmente acontece no mundo da contra-espionagem, nada do que parece, é. Por isso, a origem da Viúva tem sido reescrita ao longo do tempo, para acentuar o peso da sua presença no universo Marvel. Assim, a versão inicial que mostrava a Viúva Negra como uma bailarina do Bolshoi, que decide trocar os palcos iluminados pelo mundo sombrio da espionagem depois da morte do marido, Alexei Shostakov, um piloto de testes, que era na realidade o herói soviético Guardião Vermelho, revela-se falsa, sendo o resultado de memórias implantadas pelos serviços secretos soviéticos.
A verdadeira origem da Viúva Negra só será contada anos mais tarde, na série Wolverine: Origins, onde o argumentista Daniel Way desenvolve o passado desconhecido do mais famoso mutante da Marvel. Aí, descobrimos que Natasha foi retirada ainda bebé de um edifício destruído de Estalinegrado, em 1928, por Ivan Petrovich, que a criou durante 10 anos, até ser obrigado pelo próprio Estaline a entregar a criança nas mãos de Taras Romanoff, um importante espião russo, que a criou como se fosse sua filha, dando-lhe o nome de Natalia (Natasha é um diminutivo de Natalia) Romanova, e a iniciou nas artes da espionagem. É nessa altura que ela conhece Wolverine, então a treinar na escola de espiões de Taras Romanoff, e que se vai ocupar de Natasha, ensinando-a a combater e a seguir pistas. Embora tenha criado uma boa relação com Wolverine, a quem tratava carinhosamente por “Tio Logan”, essa relação vai-se quebrar quando Logan é forçado a matar Taras Romanoff, o homem que Natasha considerava como o seu pai.
No entanto, Natasha e Wolverine vão lutar juntos ao lado do Capitão América, na ilha de Madripoor, em 1941, para eliminar Jonin, o líder do clã ninja do Tentáculo. Um acontecimento relatado inicialmente em 1990, na revista X-Men, por Chris Claremont e Jim Lee, e que Daniel Way e Steve Dillon mostram noutra perspectiva.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, Natasha vai ser integrada na Sala Vermelha, um programa secreto do KGB que pretendia transformar jovens órfãs em agentes de elite, as Viúvas Negras. A grande longevidade de Natasha é explicada pelo uso de um equivalente russo da fórmula do super-soldado, a fórmula que esteve na origem da transformação de Steve Rogers no Capitão América e que lhe teria sido injectada durante a sua passagem pela Sala Vermelha.
É precisamente a Sala Vermelha e o Programa Viúva Negra, que se mantém activos, apesar da queda do Império soviético e o fim da Cortina de Ferro, que estão em destaque nas duas histórias que compõem este volume, em que Natasha Romanoff cede o protagonismo à jovem Yelena Belova, a sua sucessora no programa Viúva Negra.
A primeira dessas histórias é uma mini-série publicada originalmente em 2002, centrada no passado de Yelena Belova, e que mostra a forma como ela foi manipulada pelos serviços secretos russos ao longo do seu treino na Sala Vermelha. A escrever esta história está Greg Rucka, argumentista e escritor americano, cuja capacidade de escrever personagens femininas fortes já é bem conhecida dos leitores, graças à sua colaboração com J. H. Williams III no volume dedicado à Batwoman numa anterior colecção, e que aqui conta com a arte do ilustrador croata Igor Kordey, cujo estilo sombrio se revela perfeito para uma história passada no submundo de Moscovo, com uma carga erótica pouco habitual no Universo Marvel.
A completar este volume, outra mini-série, publicada originalmente em 1999, assinada por Devin Grayson, uma escritora americana conhecida pelo seu trabalho para a DC, nas revistas do Batman, que se estreou na Marvel precisamente com esta aventura da Viúva Negra. Nesta movimentada história de espionagem, cuja acção decorre entre Moscovo, Nova Iorque e um país fictício do Médio Oriente, a presença do Universo Marvel está limitada a uma breve participação de Matt Murdock, que apenas surge como Demolidor numa página ou duas, não tendo qualquer interferência na acção, e a uma ainda mais breve presença da S.H.I.E.L.D. que, essa sim, se revela decisiva para o desenrolar da história que se centra no confronto entre as duas Viúvas.
A dar vida ao texto de Grayson está o traço elegante, rigoroso e sensual de J. G. Jones. Também para o desenhador americano, conhecido sobretudo pelo seu trabalho como ilustrador de capas e desenhador da mini-série Wanted, de Mark Millar, que deu origem ao filme do mesmo nome com Angelina Jolie, este foi o primeiro trabalho para a Marvel, pois antes disso tinha apenas colaborado na série Shi, de Bill Tucci, sendo provável que a forma simultaneamente realista e espectacular como Jones desenhou a sensual protagonista tenha levado Joe Quesada e Jimmy Palmiotti, os editores da linha Marvel Knights, a verem nele o desenhador ideal para este confronto de Viúvas.
Natasha Romanova e Yelena Belova, a nova e velha Viúva Negra, voltariam a defrontar-se noutra mini-série, escrita a meias por Grayson e Rucka, em que a forma como as duas Viúvas funcionam como reflexos distorcidos uma da outra é desenvolvida. Mas, como se costuma dizer, isso já é outra história.

Poderosos Heróis Marvel 5 - Homem-Aranha: Tormento

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HOMEM-ARANHA DE TODD MCFARLANE 
NA COLECÇÃO PODEROSOS HERÓIS MARVEL

Poderosos Heróis Marvel Vol. 5
Homem-Aranha: Tormento
Argumento E Desenhos – Todd Mcfarlane
Quinta, 20 de Agosto + 8,90 €

O quinto volume desta colecção, mais do que o regresso do Homem-Aranha, assinala a estreia nas colecções que o Público e a Levoir têm dedicado aos super-heróis americanos, de um dos maiores populares autores dos comics das últimas três décadas: Todd McFarlane.
Nascido em 1961 em Alberta, no Canadá, McFarlane começou a trabalhar profissionalmente em meados dos anos 80 para a DC Comics, em títulos como Infinity Inc. e Batman, onde substituiu Alan Davis e Paul Neary nos desenhos de Batman: Year Two, a continuação oficial, escrita por Mike W. Barr, do clássico Batman: Ano Um de Frank Miller e David Mazzucchelli. Da DC seguiu para a Marvel, onde assegurou a série Incredible Hulk, com argumentos de Peter David, entre 1987 e 1988. Foi o sucesso como ilustrador das aventuras do gigante verde que lhe garantiu o lugar de desenhador do Homem-Aranha a partir do número 298 de Amazing Spider-Man, de Março de 1988, ilustrando os argumentos de David Michelinie. O seu trabalho com o Homem-Aranha durante os dois anos seguintes, transformou-o, de jovem artista em ascensão, numa verdadeira superestrela dos comics.
Para essa rápida ascensão contribuiu, e muito, o seu inovador estilo gráfico. Um estilo barroco, marcado por uma planificação dinâmica e criativa, em explosão permanente de tensão e movimento, com uma quantidade cada vez maior de linhas cinéticas a acumularem-se em páginas de grande impacto visual. Também a forma de desenhar o Homem-Aranha era profundamente inovadora, com o herói a surgir em posições contorcidas e angulosas, com as teias figuradas com um pormenor e um detalhe inesperados, completamente diferentes do que até então se vira.
Depois de conseguir chamar a si a tarefa de passar a tinta os seus desenhos a lápis, assegurando assim a arte-final, o passo seguinte da afirmação de McFarlane como autor, foi conseguir assinar também o argumento das histórias que desenhava. Foi assim que, em Agosto de 1990 nasceu mais uma nova revista mensal do Homem-Aranha, intitulada apenas Spider-Man, cujos cinco primeiros números recolhem a história Tormento, que assinala a estreia de McFarlane como autor completo. Mas, conforme o próprio autor confessou numa entrevista, a sua estreia como argumentista deveu-se mais a uma vontade de controlar todas as etapas do processo criativo, do que a uma necessidade imperiosa de dar a conhecer as histórias que tinha para contar: “o desejo, o desejo criativo de escrever, nesta fase ainda não era tão forte, que me quisesse transformar um escritor. Então, apenas queria desenhar. Mas queria ter o máximo de controlo sobre aquilo que desenhava e a única maneira de conseguir esse controlo, era inventar as histórias que queria desenhar.”
E essa primeira história é uma narrativa mais próxima das histórias de terror do que das aventuras tradicionais do Homem-Aranha, em que o herói enfrenta o Lagarto, mas um Lagarto extraordinariamente violento e sanguinário, como os leitores nunca tinham visto. Em termos narrativos, McFarlane vai beber bastante ao trabalho de Frank Miller na série Demolidor, tanto em termos de divisão da página, marcada por estreitas vinhetas verticais, como de narração, com o recurso a pequenas caixas de texto, que dão um ritmo sincopado à narrativa, ajudando à criação do ambiente opressivo e de grande tensão.
Com mais de dois milhões e meio de cópias vendidas, só do primeiro número, Tormento marcou a carreira do seu autor e o mercado dos comics na década de 90. É esse livro histórico, que os leitores portugueses poderão ler no volume da colecção Poderosos Heróis Marvel que chega às bancas na próxima quinta-feira.
Publicado originalmente no jornal Público de 14/08/2015

Poderosos Heróis Marvel 6 - Justiceiro: A Ressurreição de Ma Gnucci

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Mais uma vez, o texto editorial que abre este volume, é da minha autoria. Razão porque o aqui publico, em vez do texto do Público, que pode facilmente ser lido, bastando carregar na respectiva imagem.


O FIM DA VIAGEM

O protagonista deste volume da colecção Poderosos Heróis Marvel dificilmente se encaixa no título desta colecção, pois Frank Castle, o Justiceiro não tem qualquer poder e está claramente naquela fronteira difusa que separa os heróis dos vilões. Mas, apenas com a sua vontade indómita, um treino militar apurado e um impressionante arsenal bélico, o Justiceiro tornou-se rapidamente num dos mais carismáticos personagens da Marvel.
A primeira aparição do Justiceiro, teve lugar em 1974, na revista do Homem-Aranha, numa história escrita por Gerry Conway e desenhada por Ross Andru, que se inspirou em Clint Eastwood para criar a imagem do vigilante. Uma referência visual lógica, pois o Justiceiro, enquanto caçador impiedoso de criminosos, deve muito ao Dirty Harry, de Clint Eastwood e ao executor interpretado por Charles Bronson nos filmes da série Death Wish, que passaram em Portugal como o Justiceiro Implacável.
Depois de diversas aparições em histórias do Homem-Aranha e do Demolidor (onde chegou a ser desenhado por Frank Miller, que lhe deu grande destaque) o arranque a solo do Justiceiro dá-se em 1986, numa mini-série escrita por Steven Grant e desenhada por Mike Zeck, cujo sucesso levou à criação de uma revista mensal. Personagem perfeitamente enquadrada no espírito belicista da época (estávamos em plena administração Reagan e o Rambo, interpretado por Silvester Stallone era um dos símbolos da América) o Justiceiro viu a sua presença desdobrar-se por uma série de novos títulos, como Punisher War Journal, escrito por Carl Potts e desenhado por um jovem Jim Lee, cujo primeiro arco de histórias pudemos acompanhar a primeira colecção que a Levoir e o Público dedicaram à Marvel, e Punisher War Zone (com desenhos de John Romita Jr.). Já para não falar de versões do Justiceiro como anjo, ou como criatura de Frankenstein, nem das inúmeras mini-séries em que o Justiceiro enfrenta os mais variados heróis, desde Batman, Wolverine e até ao adolescente Archie, na mais inesperada das cross-overs...
Logicamente, esta superexposição levou a que o público se desinteressasse da personagem, que efectuou uma travessia do deserto até ser ressuscitado por Garth Ennis na linha Marvel Knights, no ano 2000. Uma escolha que não foi inocente, pois Ennis tinha assinado em 1995 a mais estranha e uma das mais populares das aventuras do Justiceiro, Punisher Kills the Marvel Universe, uma história cujo título fala por si…
O regresso de Ennis às histórias do Justiceiro faz-se com Welcome Back, Frank, uma série de doze números, ilustrada por Steve Dillon, que a Devir publicou em Portugal em 2004, numa edição em dois volumes, com o título O Regresso do Justiceiro, aproveitando o impacto mediático do filme de Jonathan Einsleigh, com Thomas Jane no papel de Frank Castle (o Justiceiro), que chegou às salas de cinema nesse ano. A BD de Garth Ennis e Steve Dillon acabou por ser justamente uma das principais fontes de inspiração do filme da Marvel, mas neste caso, o filme não soube estar à altura da BD original, numa adaptação falhada que nem o esforço de Thomas Jane, nem John Travolta (deliciosamente cabotino no papel de mau da fita) conseguem salvar...
Entre outros méritos, O Regresso do Justiceiro permitiu voltar a juntar Garth Ennis e Steve Dillon, a dupla responsável pela série de culto Preacher, numa história que alia o humor politicamente incorrecto a que Ennis habituou os seus leitores em Preacher, na sua passagem na série Hellblazer, ou em obras como a Pro, a uma intriga repleta de acção, em que os mortos em combate se contam às centenas.
Um dos mais famosos argumentistas de origem britânica a trabalhar nos EUA, o irlandês Garth Ennis iniciou a sua carreira em Inglaterra na revista 2000 AD, mas seria na Vertigo que o mundo descobriria o seu talento narrativo, em séries como Hellblazer, Preacher, ou Hit Man. O Justiceiro foi o seu primeiro trabalho para a Marvel, editora para onde também escreveu duas séries protagonizada por Nick Fury, duas mini-séries do Motoqueiro Fantasma e uma mini-série do Poderoso Thor, ilustrada por Glen Fabry, o autor das ilustrações de capa de Preacher.
Nascido em Londres em 1962, Steve Dillon estreou-se nos comics americanos como ilustrador da série Hellblazer, escrita por Garth Ennis, com quem voltou a colaborar na série de culto Preacher. Conhecido sobretudo pela eficácia com que os rostos que desenha conseguem transmitir todo o tipo de emoções, Dillon revelou-se igualmente à vontade nas violentas cenas de acção que enchem as histórias do Justiceiro.
Depois desta primeira história, Garth Ennis continuou a escrever as aventuras do Justiceiro durante mais oito anos, mas desta vez sem Steve Dillon do seu lado, sendo especialmente memoráveis os 60 números da série Max que escreveu para desenhadores como Leandro Fernandez e Goran Parlov, entre outros.
A história que vão ler a seguir, significa o adeus definitivo de Garth Ennis ao Justiceiro, reunindo para o efeito toda a equipa de Preacher, incluindo o colorista Matt Hollingsworth. Lançada em 2008, como uma mini-série em 6 números com o título Punisher War Zone, que remete para o filme de Lexi Alexander com o mesmo nome, que nesse ano trouxe o Justiceiro de regresso ao grande ecrã, esta era uma história que já estava escrita há mais de 3 anos, mas a que o lançamento do filme deu o empurrão decisivo para sair da gaveta.
Como referiu o próprio Ennis na altura do lançamento: “Joe Quesada tinha-me pedido para escrever esta história há cerca de três anos e meio. Ele achava que as pessoas queriam ver a Ma Gnucci e todas aquelas coisas delirantes outra vez. Eu estava algo relutante e não me interessava muito voltar a pegar naquelas personagens, mas o meu cérebro tem o hábito de me servir histórias mesmo sem eu querer.” Outra das dificuldades de Ennis era como fazer regressar Ma Gnucci, a mafiosa protagonista de O Regresso do Justiceiro, de que esta história é uma continuação directa? Ma Gnucci tinha sido lançada para a jaula de um urso polar, perdeu os braços e as pernas e o seu corpo foi atirado para uma casa a arder, estando indiscutivelmente morta. Mas, como poderão ver nas páginas seguintes, Ennis arranjou uma maneira engenhosa de a fazer regressar, bem como à detective Molly Von Richtofen, da Polícia de Nova Iorque.
Este regresso de Ennis e Dillon às histórias do Justiceiro resulta num cocktail único e inebriante de humor negro e hiperviolência, onde o politicamente correcto não tem lugar e, tratando-se de Ennis, não faltam também as referências cinematográficas, seja a O Bom, o Mau e o Vilão, de Sergio Leone, seja ao Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee, cujos diálogos mais emblemáticos, um mafioso simpático, que tem uma relação muito especial com uma abóbora, cita com frequência.
Steve Dillon, que Garth Ennis considera como “simplesmente o melhor narrador a trabalhar no mundo dos comics”, voltaria a desenhar o Justiceiro anos mais tarde, desta vez ao lado do argumentista Jason Aaron. Mas para o escritor irlandês, a Ressureição de Ma Gnucci significou o canto do cisne de um percurso incontornável de oito anos, trilhado em conjunto por Garth Ennis e Frank Castle.

Poderosos Heróis Marvel 7 - X-Men: Caixa Fantasma

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WARREN ELLIS DÁ NOVA VIDA AOS X-MEN

Poderosos Heróis Marvel, Vol. 7
X-Men: Caixa Fantasma
Argumento – Warren Ellis
Desenho – Simone Bianchi
Quinta, 03 de Setembro + 8,90 €

O próximo volume da colecção Poderosos Heróis Marvel, assinala o regresso de dois criadores já conhecidos dos leitores: Warren Ellis e Simone Bianchi. Autores que vêm dar uma nova vida à mais popular equipa de heróis da Marvel, os X-Men. Ellis, que os leitores já conhecem de Homem de Ferro: Extremis, e Bianchi, que ilustrou Wolverine: Evolução, tiveram aqui o difícil desafio de suceder ao autor e cineasta Joss Whedon (conhecido principalmente por ser o realizador dos filmes dos Vingadores) e ao desenhador John Cassaday, responsáveis por um dos maiores sucessos comerciais e críticos dos anos recentes da Marvel, com a série Astonishing X-Men. Uma fase tão marcante como popular, que abriu uma nova era dos X-Men, em que Emma Frost passou a ser a líder dos mutantes, e cujo sucesso não era fácil de replicar.
Em 2008, a Marvel confiou ao britânico Warren Ellis a espinhosa missão de continuar essa fase de Whedon em Astonishing X-Men, relançando a equipa de uma maneira particularmente adequada para permitir que os novos leitores pudessem seguir com facilidade a saga dos mutantes. É precisamente Caixa Fantasma, a primeira das três histórias que Ellis escreveu para esse relançamento, que preenche o volume que chega às bancas na próxima quinta-feira. Um volume que apresenta algumas novidades aos leitores das aventuras dos X-Men.
Os mutantes têm agora uma nova base de operações, trocando a escola para mutantes de Nova Iorque criada pelo Professor Xavier, por um novo quartel-general, em São Francisco. Têm também uniformes e equipamento novos e uma equipa reformulada, que inclui um novo membro, a jovem japonesa Hisako Ichiki, com o nome de código, Armadura. Mas o principal desafio que se apresenta aos X-Men, consiste em lidar com as consequências do dia-M, o dia em que a Feiticeira Escarlate desactivou os genes-X de milhões de membros da raça mutante, deixando apenas 198 indivíduos dessa raça com os seus poderes (um acontecimento que os leitores portugueses puderam acompanhar em Dinastia de M, o primeiro volume da segunda série que o Público e a Levoir dedicaram à Casa das Ideias).
Tudo começa com uma mera operação policial em São Francisco, onde é descoberto o cadáver em chamas de um novo tipo de mutante. Acontecimento que vai dar origem a uma complexa e movimentada aventura, que passa por um cemitério de naves alienígenas em Chaparanga, onde os X-Men defrontam um inimigo poderoso e encontram um estranho artefacto: A Caixa Fantasma. Esse misterioso objecto, que dá nome ao livro, é um dispositivo que permite abrir portais para outras dimensões. Dimensões paralelas onde se encontram raças hostis e poderosas, que vêm na Terra um alvo apetecido.
Se Warren Ellis, cria uma história cativante, com aventura e emoção, a que não falta um toque de humor, sobretudo nos diálogos de Emma Frost, não podemos deixar de referir o extraordinário trabalho do desenhador italiano Simone Bianchi. Nascido em 1972 na Itália, em Lucca, Bianchi estreou-se na Marvel com Evolução, a história do Wolverine que pudemos ler na colecção Universo Marvel, mas este volume deixa perceber claramente a grande evolução do seu traço. Há um cuidado maior nos pormenores, mantendo-se inalterável um excelente sentido de composição, que lhe permite pensar a página e a dupla página com um a unidade estética autónoma, sem que com isso a narrativa perca legibilidade. E a escala cósmica e multidimensional desta aventura, proporciona-lhe algumas paisagens futuristas. Imagens complexas, que possibilitam espectaculares composições de dupla página, que acentuam a dimensão épica desta história.
Publicado originalmente no jornal Público de 28/08/2015

Evocando Oesterheld, no Dia de la Historieta

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Desde 2009, que na Argentina o dia 4 de Setembro é legalmente considerado como o Dia de la Historieta, o dia da Banda Desenhada na Argentina. Uma data escolhida por ter sido a 4 de Setembro de 1957 que saiu o primeiro número da revista Hora Cero, onde se começou a publicar El Eternauta, a obra-prima de Oesterheld e Solano Lopez. Associando-me às comemorações, aproveito para recuperar aqui o pósfacio que escrevi a edição de Mort Cinder, publicada na colecção Novela Gráfica. A abrir, coloquei uma citação de um General argentino, que não descobri a tempo de sair no livro, mas que traduz na perfeição o clima de absoluto terror que a Junta Militar instalou na Argentina e que custou a vida a perto de 30.000 pessoas, entre as quais Oesterheld e as suas filhas.. 

"Primeiro mataremos todos os subversivos,  depois todos os que colaboraram com eles, em seguida mataremos todos os seus simpatizantes, depois os indiferentes e finalmente mataremos os tímidos."

General Ibérico Saint-Jean, Comandante Militar da Província de Buenos Aires, 
num discurso proferido em 1977

O TRÁGICO DESTINO DA FAMÍLIA OESTERHELD

Na famosa entrevista que concedeu a Carlos Trillo e Guillermo Saccomano em inícios da década de 70 e que em Portugal foi publicada por capítulos na revista Tintin, Hector Germán Oesterheld, quando lhe perguntaram porque tinha morto alguns dos heróis que criou, respondeu que a morte é a grande personagem que ninguém aproveitava devidamente. Infelizmente, na sua história familiar, a morte teve o papel principal, num drama terrível, em que o toque fantástico das aventuras de Mort Cinder deu lugar a uma intriga tão real como cruel, escrita de forma canhestra por um bando de assassinos fardados.
Tendo sido raptado no bairro de La Plata, em Buenos Aires, em 27 de Abril de 1977, por elementos ligados à junta Militar que governava o país, Oesterheld nunca mais voltou a ser visto. Anos mais tarde, em 1979, o jornalista italiano Alberto Ongaro -  que, com Hugo Pratt, fez parte do famoso Grupo de Veneza, um punhado de autores italianos que foi trabalhar para a Argentina nos anos 50 - ao tentar descobrir o paradeiro do escritor, foi-lhe dito que Oesterheld tinha sido morto por ter escrito “a mais bela biografia de Ché Guevara jamais feita”.
Embora bastante poética, essa não terá sido a razão principal do “desaparecimento” de Oesterheld, pois mesmo que a biografia do Ché, que o escritor criou em 1968 para o traço de Alberto Breccia e do seu filho Enrique, tenha sido proibida pela Junta Militar que assumiu o poder na Argentina em 1976, a verdade é que, para além de algumas ameaças veladas, nem o “velho” Breccia, nem o jovem Enrique, chegaram a ser verdadeiramente incomodados pelos militares.
Já Oesterheld, para além das posições ideológicas bem evidentes nas suas histórias, era membro activo da guerrilha Montonera, um movimento rebelde de esquerda, tal como as suas quatro filhas, tendo passado à clandestinidade em 1976, logo a seguir ao golpe de estado militar. Terá sido esse o principal motivo para que a sua família se tornasse um alvo fácil para a Junta Militar, acabando por engrossar a lista de perto de trinta mil “desaparecidos” que mancham com o seu sangue essa página negra da história argentina.
A primeira a “desaparecer” foi a sua filha Beatriz, de 19 anos, sequestrada a 19 de Junho de 1976 e executada pouco depois, tendo sido o corpo entregue à mãe a 7 de Julho, para que a sepultasse. Dias antes, a 4 de Julho, Elsa, a mulher de Oesterheld soube pelos jornais que a sua filha Diana, de 23 anos, que estava grávida de seis meses, tinha sido morta, juntamente com o marido. O filho de ambos, Fernando, então com um ano, acabaria por ser entregue aos avós paternos.
Seguir-se-ia o sequestro do seu marido, em Abril de 1977 e, em final desse mesmo ano, recebeu uma carta da filha, Estela, de 24 anos, a contar-lhe que a irmã, Marina, de 18 anos e grávida de oito meses, tinha sido morta um mês antes. No dia em que Elsa recebeu essa carta, já a sua filha Estela estava morta, tendo sido assassinada, junto com o marido.
Martin, o filho de Estela, então com 3 anos, seria entregue à avó por dois dos carcereiros de Oesterheld, que tinham proporcionado um último encontro entre o avô e o neto em El Vesubio, uma das prisões clandestinas por onde Oesterheld passou. Sabe-se que ainda estaria vivo em Janeiro de 12978, pois Eduardo Arias, outro prisioneiro, recorda-se de se cruzar com um Oesterheld muito debilitado fisicamente, no centro de detenção El Vesubio, a que os prisioneiros chamavam ironicamente o “Sheraton”, devido às péssimas condições que tinha. Calcula-se que tenha sido assassinado pouco tempo depois, mas o seu corpo, tal como os de milhares de outras vítimas da ditadura militar, nunca foi encontrado.
Em pouco menos de dois anos, Elsa Sanchéz Oesterheld viu os militares levarem-lhe nove membros da família, entre marido, filhas, genros e netos. Apenas conseguiu recuperar dois netos e enterrar uma das filhas. Os restantes “desapareceram” para sempre.

Poderosos Heróis Marvel 8 - Homem-Formiga: Um Mundo Pequeno

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DEPOIS DO CINEMA, O HOMEM-FORMIGA ESTREIA-SE 
NA COLECÇÃO PODEROSOS HERÓIS MARVEL

Poderosos Heróis Marvel, Vol. 8
Homem-Formiga: Um Mundo Pequeno
Argumento – Stan Lee, David Michelinie e Tim Seeley
Desenho – Jack Kirby, John Byrne e Tim Seeley
Quinta, 10 de Setembro + 8,90 €

O próximo volume da colecção Poderosos Heróis Marvel assinala a estreia em Portugal do mais recente herói da Marvel a chegar ao cinema: o Homem-Formiga. Uma estreia que se dá num volume antológico que recolhe as aventuras de estreia dos diferentes homens que vestiram o fato do Homem-Formiga: Henry Pym, Scott Lang e Eric O’Grady.
Criado por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby em 1962, no nº 27 da revista Tales to Astonish, Henry “Hank” Pym, o Homem-Formiga original, era um cientista que descobriu uma formula que lhe permitia reduzir a sua massa e altura a dimensões microscópicas. Essa primeira história, que no fundo era uma adaptação não assumida do conto The Shrinking Man, de Richard Matheson, de 1956, levado ao cinema com grande sucesso no ano seguinte por Jack Arnold, não previa uma continuação, mas o sucesso junto dos leitores levou Stan Lee a promover o rápido regresso de Henry “Hank” Pym. O que aconteceu logo no nº 35 da revista Tales to Astonish, em que Hank Pym tem que usar a sua invenção para deter um grupo de espiões e decide passar a combater o crime como o Homem-Formiga. São essas duas primeiras aventuras, assinadas por Lee e Kirby que abrem o volume dedicado ao Homem-Formiga.
Um dos grandes cientistas do Universo Marvel, Hank Pym foi o responsável pela criação do robot Ultron e do andróide Visão, mas a sua carreira como Homem-Formiga foi relativamente curta, acabando por ceder o seu uniforme e o capacete que lhe permite comunicar com as formigas, a outra pessoa, Scott Lang. Um homem que roubou o fato de Homem-Formiga para poder salvar a vida da sua filha, mas que acabaria por assumir o papel de Homem-Formiga, com a bênção do seu mentor, Hank Pym, o Homem-Formiga original. É precisamente Scott Lang, o segundo Homem-Formiga, criado por David Micheliene e John Byrne em 1979, na história que podemos ler neste volume, que é o protagonista do mais recente filme da Marvel, acabado de chegar às salas de cinema.
Finalmente, este oitavo volume da colecção Poderosos Heróis Marvel, traz ainda uma aventura do terceiro Homem-Formiga, Eric O’Grady. Protagonista de uma história em três partes, escrita e desenhada por Tim Seeley em 2011, em que o novo Homem-Formiga tem de combater o crime ao lado de Hank Pym, o Homem-Formiga original, que assumiu a identidade secreta de Vespa, em memória de Janet Pym, a sua falecida mulher, que foi a Vespa original.
Três etapas marcantes na história de um herói incontornável do Universo Marvel, reunidas num único livro, assinado por alguns dos maiores nomes que passaram pela Casa das Ideias. Um livro que permite ao leitor conhecer melhor o último poderoso herói da Marvel a chegar ao grande ecrã.
Publicado originalmente no jornal Público de 04/09/2015

Poderosos Heróis Marvel 9 - Capitão América: Sonhadores Americanos

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Neste volume, o editorial também é da minha autoria. Por isso, aqui o deixo, em vez do texto do Público, que surge apenas em imagem, mas que pode facilmente ser lido, por quem carregar na imagem.
O REGRESSO DO HERÓI


Depois de termos assistido ao início do percurso de oito anos de Ed Brubaker como argumentista da série Captain America, em O Soldado de Inverno - a saga em dois volumes que abriu a colecção Universo Marvel - este volume da colecção Poderosos Heróis Marvel permite-nos acompanhar o início daquele que foi o capítulo final desse percurso inesquecível, que marcou profundamente a história de Steve Rogers, bem como os leitores. Um percurso iniciado em Janeiro de 2005, quando Brubaker substituiu Robert Kirkman, o criador de The Walking Dead, como argumentista do Capitão América, no número um da quinta série da revista do Sentinela da Liberdade.

Nascido em 1966, nos EUA, Ed Brubaker começou a sua carreira como autor completo, escrevendo e desenhando histórias policiais para editoras independentes, como a Dark Horse, antes da Vertigo, a linha mais adulta e alternativa da DC, publicar algumas séries que assinou como argumentista e que lhe abriram as portas da DC, editora com que assinou um contrato de exclusividade em 2000. Brubaker teve então a oportunidade de explorar a fundo o universo do Batman, em aventuras bem mais próximas do policial negro do que das tradicionais histórias de super-heróis, mantendo uma tendência de reinvenção do género noir, já patente nos seus trabalhos anteriores de menor visibilidade.
O seu primeiro trabalho para a Marvel foi precisamente a série do Capitão América, onde, para além de ter introduzido elementos característicos das histórias de espionagem, trouxe de volta ao Universo Marvel James Buchanan Barnes, o jovem pupilo do Capitão, mais conhecido por Bucky - que os leitores julgavam morto desde o final da Segunda Guerra Mundial, na sequência dos eventos que colocaram Steve Rogers em estado de animação suspensa, congelado no meio do Árctico, até ser descoberto pelos Vingadores. Mas a verdade é que Bucky não só não tinha morrido, como tinha sido salvo pelo exército soviético, que lhe fez uma lavagem cerebral e o transformou numa verdadeira máquina de matar, o Soldado do Inverno.

De um anacrónico “sidekick”, Bucky vai tornar-se numa personagem fulcral da série, que acaba mesmo por substituir Steve Rogers no papel de Capitão América, depois do Sentinela da Liberdade original ser morto na sequência dos acontecimentos da Guerra Civil, a saga publicada numa anterior colecção da Levoir, que colocou em confronto directo os principais heróis da Marvel. Bucky mostrou ser digno de usar o uniforme e o escudo do Capitão América, honrando a herança de Steve Rogers, mas, como o leitor bem sabe, a morte raramente é definitiva nas histórias de super-heróis e o (esperado) regresso de Steve Rogers ao mundo dos vivos acabou naturalmente por acontecer na mini-série Captain America: Reborn, escrita também por Brubaker. Mas isso não impediu Bucky de continuar a ser o Capitão América, até ser aparentemente morto durante a saga A Essência do Medo, também já publicada pela Levoir, e Steve Rogers se ver forçado a pegar novamente no escudo e voltar a vestir o uniforme listrado. Um regresso natural, sobretudo tendo em conta a estreia nesse ano do filme do Capitão América, realizado por Joe Johnston, que levou ao relançamento da revista do Capitão América, em Julho de 2011, com um sexto volume, cujos primeiros cinco números são ocupados precisamente por Sonhadores Americanos, a história que poderão ler nas páginas seguintes.

Mantendo o toque inconfundível de Brubaker, este regresso não deixa de ter características muito próprias, com o clima das histórias de espionagem a dar lugar a um registo de aventura em estado mais puro, com dimensões paralelas, um adolescente capaz de abrir portais para outras dimensões, robots gigantes e muita acção. Mas o que se mantém constante é a importância do passado na vida de Steve Rogers: mesmo que o funeral de Peggy Carter logo no início da história pareça indicar o fim de um ciclo, o passado de Steve Rogers durante a Segunda Guerra Mundial vai voltar para o atormentar na figura de Richard Bravo, um espião americano submetido nos anos vinte a um tratamento experimental semelhante ao programa do super soldado - que criou o Capitão América - que passou os últimos sessenta anos preso numa dimensão paralela, de onde saiu para descobrir que o sonho americano imaginado durante a Segunda Guerra Mundial tinha dado origem a uma realidade bem mais próxima do pesadelo.
A dar vida a esta história de Brubaker está um nome bem conhecido dos leitores das colecções que a Levoir dedicou à Casa das Ideias: Steve McNiven, O desenhador de origem canadiana, que se estreou na BD no início da década de 2000, desenhando a série Meridian e outros trabalhos para a editora CrossGen, rapidamente passou para a Marvel, onde se tornou um dos desenhadores mais populares da editora, graças ao seu espectacular trabalho em livros como Wolverine: Velho Logan e Guerra Civil, já publicados em Portugal pela Levoir. McNiven mostra aqui mais uma vez todo o seu virtuosismo, em páginas com uma planificação extremamente dinâmica e variada, que ajuda ao ritmo infernal de uma história movimentada e visualmente espectacular.
No último número da série, o desenhador canadiano conta com a ajuda de Giuseppe Camuncoli, desenhador italiano extremamente versátil, que tem dividido o seu talento entre o mercado americano, onde trabalhou tanto para a Marvel como para a DC, e o mercado europeu, onde também deixou a sua marca, seja a desenhar a série Dylan Dog ou a continuação da série Os Escorpiões do Deserto, de Hugo Pratt, o criador de Corto Maltese.
A completar este volume, temos três histórias curtas, extraídas da revista Captain America #616, número especial comemorativo dos setenta anos da criação, por Jack Kirby e Joe Simon, do Capitão. Um número cronologicamente anterior à história que o antecede, cuja acção decorre numa fase em que Steve Rogers, já regressado ao Universo Marvel, ainda não tinha decidido reassumir as funções de Capitão América e em que Bucky Barnes, o Soldado do Inverno, estava preso numa prisão russa. Duas dessas histórias recapitulam, cada uma à sua maneira, a carreira do Capitão América, o que, no caso da história ilustrada por Travis Charest, que tem aqui um breve regresso à BD, é feito em apenas uma página. A terminar, temos A Exposição, a única história deste volume que não é escrita por Brubaker. Uma história tão peculiar como curiosa, escrita por Franklin Tieri e ilustrada por Paul Azaceta, em que Steve Rogers investiga um marchand de arte que tem um segredo que o próprio desconhece…

Poderosos Heróis Marvel 10 - Wolverine: Ilha da Morte

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Mais uma vez, deixo-vos com o editorial que escrevi para este volume, com a particularidade de o texto que aqui publico é a versão integral. Face às limitações de espaço dos editoriais de cada volume, que não devem ultrapassar os 7.000 caracteres, tive que fazer alguns cortes. Aqui fica então a versão integral do texto que só poderão ler mesmo aqui. Quanto ao texto do Público sobre este volume, bata carregar na imagem para o ler.

 WOLVERINE NA TERRA SELVAGEM

Na vasta geografia fictícia do universo Marvel, poucos lugares há que evoquem mais a aventura em estado puro do que a Terra Selvagem. Criada por Stan Lee e Jack Kirby em 1965, no nº 10 da revista X-Men, a Terra Selvagem é um mundo tropical, criado por extraterrestres e escondido na Antárctida, onde sobrevivem as mais variadas espécies pré-históricas, com destaque para os dinossáurios.
Um mundo fora do tempo, muito da linha de outros espaços fictícios que encontramos em clássicos da literatura e do cinema, como Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne, O Mundo Perdido, de Conan Doyle, ou A Terra que o Tempo Esqueceu, de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, que nas aventuras do homem macaco criou outros locais exóticos povoados por dinossáurios, como é o caso de Pellucidar, que foi cenário de várias aventuras do Rei da Selva. Isto, sem esquecer naturalmente a Skull Island, uma ilha no Pacífico, criada em 1933 pelo cineasta Merian C. Cooper para berço de Kong, o gorila gigante protagonista do filme King Kong.
Governada por Ka-zar e pela sua companheira Shanna, a mulher-demónio, a Terra Selvagem tem servido de palco para as aventuras dos mais variados heróis da Marvel, mas geralmente tem funcionado mais como mero cenário, do que como verdadeiro personagem das histórias. Até que chegou Frank Cho.
Nascido em Seul, na Coreia do Sul, em 1971, Frank Cho veio para os Estados Unidos com os seus pais e os dois irmãos quando tinha seis anos. O ilustrador norte-americano de origem coreana começou a sua carreira na BD em inícios da década de 90, com a tira de imprensa University 2 para o jornal da Universidade de Maryland onde estudou. Depois de se formar, decidiu continuar a trabalhar no formato tira, mas desta vez a nível nacional, contactando para o efeito diversos syndicates (empresas responsáveis pela produção, venda e distribuição das tiras de imprensa pelos diferentes jornais).
O Creators Syndicate gostou do que viu e propôs-lhe pegar nas personagens de University 2 e transformá-los em animais, passando a acção de um campus universitário, para uma reserva animal. Nascia assim Liberty Meadows, série que contratualmente deveria durar quinze anos, mas que Cho escreveu e desenhou apenas durante cinco anos, até se fartar da censura do editor e da pressão de ter produzir uma tira diária e decidir continuar a série, editando-a ele próprio em formato comic book, com total liberdade.
Embora nesta fase já fizesse capas ocasionalmente para a Marvel e outras editoras, foi o seu trabalho na série Liberty Meadows que levou o editor Axel Alonso a convidá-lo a desenhar uma mini-série de Shanna The She-Devil– uma heroína da selva, na linha da Sheena, Queen of the Jungle, criada pelos estúdios de Will Eisner e Jerry Iger em 1937, quatro anos antes do aparecimento da Wonder Woman - para a Casa das Ideias. Um convite que lhe permitiu desenhar as duas coisas de que mais gosta: aventuras na selva e mulheres sensuais. E se as mulheres sensuais já eram a imagem de marca do seu trabalho, o gosto de Cho pelas aventuras em cenários exóticos também já se manifestava na série Liberty Meadows, onde criou Scheky, the Monkey King e Mighty Shmoe Pong, duas tiras dentro da tira, que homenageavam respectivamente Tarzan e King Kong (mas também Mighty Joe Young, outro gorila gigante do cinema, bastante menos popular do o King Kong) e que terão sido decisivas para Alonso se lembrar dele.
Assim, Frank Cho, que tinha concorrido para um trabalho como desenhador de Tarzan e tinha sido rejeitado por um editor da Dark Horse, que ainda hoje deve lamentar o seu erro, tinha finalmente em Shanna a oportunidade de concretizar um sonho de desenhador. Um sonho que acabou por ter um certo sabor amargo, apesar do grande sucesso da mini-série, pois a história foi pensada para a linha Max (uma linha mais adulta da Marvel, onde a nudez é permitida) mas acabaria por sair na linha Marvel Knights, o que obrigou Cho a redesenhar praticamente todas as páginas que já tinha desenhado, para cobrir pudicamente o corpo escultural de Shanna…
Finalmente, em Janeiro de 2013, a nova revista Savage Wolverine, um dos títulos lançados no âmbito da linha Marvel Now! deu a Cho a oportunidade de regressar à Terra Selvagem com total liberdade e autonomia. Mas deixemos que seja o próprio autor a contar como tudo se passou:
“Axel Alonso (o editor-chefe da Marvel) chamou-me depois do Avengers Vs. X-Men #0 ter sido lançado e perguntou-me se eu queria trabalhar com o Wolverine, e eu não hesitei, pois o Wolverine é um dos meus personagens favoritos do Universo Marvel. Perguntei-lhe quem ia ser o argumentista e ele respondeu-me, “És tu!” Fiquei sem palavras, mas o Axel lembrou-me que a primeira vez que me contratou foi como desenhador e argumentista e que estava muito entusiasmado com o que eu poderia fazer. Disse-lhe que voltaria a falar com ele dentro de algumas semanas e que entretanto ia ver se tinha alguma história do Wolverine dentro de mim, que me apetecesse contar e merecesse ser contada.
Fui vasculhar os meus arquivos, a ver se alguma das sinopses que tinha se adaptava à personagem do Wolverine. Há anos que tenho por hábito apontar ideias e desenvolver sinopses para possíveis histórias. Foi assim que me lembrei de uma história fixe que mistura o Indiana Jones com os mitos de Cthulhu em que andava a trabalhar há anos. Modifiquei-a de maneira a transformá-la numa história do Wolverine. O Axel adorou a história e disse-me para começar a trabalhar.” (…)
“Sempre me interessei por histórias com um toque se terror sobrenatural. Sou um grande fã de Edgar Rice Burroughs e de Robert Howard e, em certa medida, de H.P. Lovecraft. Esta história era algo em que eu andava a trabalhar há anos, mas ainda não tinha encontrado uma maneira de contar a história como queria. Até que a Marvel me ofereceu esta oportunidade e quando juntei o Wolverine e a Shanna na história, por mais estranho que pareça, tudo encaixou como uma luva”.
O resultado é uma aventura com um toque clássico, que reinventa personagens tradicionais da Marvel, como o Man Thing, dando-lhe um toque lovecraftiano e em que é evidente o prazer de Cho a desenhar aquilo que mais gosta. Um prazer que passa também para o leitor.
Para além de Wolverine e de Shanna, cujo companheiro Ka-Zar, prima pela ausência, Cho junta à sua história mais dois personagens da Marvel, que contribuem para os momentos mais divertidos do livro: Amadeus Cho e o Incrível Hulk. Amadeus Cho, ao contrário do que o nome pode indicar, não é um alter-ego do autor, mas sim um adolescente com a inteligência de um génio, criado por Greg Park e Takeshi Miyazawa em 2006, e que aqui é responsável pelos mais divertidos diálogos. Já o Hulk, é responsável por um humor mais físico, pois nesta história sofre maus-tratos de fazer inveja ao Wile E. Coyote, dos desenhos animados da Warner. Além para além de ter o Wolverine a espetar-lhe as garras no cérebro, ainda acaba devorado por uma baleia pré-histórica…
Curiosamente, Amadeus Cho vai ser o novo Hulk, na mais recente renovação da Marvel, em que o gigante verde já não é Incrível, mas Completamente Espectacular. Não por acaso, os responsáveis por esta mudança são o argumentista Greg Park, e o desenhador… Frank Cho.
Embora mantenha o seu esquema tradicional de composição, com a página geralmente construída em torno de uma imagem forte, que ocupa o espaço principal (aquilo a que o desenhador chama “the money shot”), é evidente a grande preocupação de Cho em inovar em termos de planificação. Mas, mais uma vez, deixemos que seja o próprio desenhador a explicar:
“Saio da minha zona de conforto e jogo com o tamanho e a planificação das vinhetas – de maneira a que a disposição das vinhetas ajude a contar a história em termos gráficos. Por exemplo, quando o Wolverine cai dos céus, uso grandes vinhetas verticais para enfatizar a grande altura de que ele está a cair e intercalo uma série de vinhetas mais pequenas para dar a noção da confusão, à medida que o Wolverine vai batendo nos ramos das árvores, até chegar ao chão, no meio da selva.”
Com uma planificação dinâmica e de grande eficácia,e um traço tão elegante como sensual, Frank Cho mostra bem toda a sua qualidade como desenhador.
Veja-se o uso criterioso que faz da dupla splash page: São apenas duas ao longo de toda a história, mas absolutamente sublimes. No capítulo três, uma elaborada cena de combate, cujo equilíbrio e dinamismo da composição, pedem meças a Frazetta e, no capítulo quatro, uma belíssima imagem do Wolverine a preparar-se para enfrentar três gorilas gigantes.
Imagens de grande força e espectacularidade, para cujo impacto muito contribui o excelente trabalho de cor de Jason Keith. E Cho ainda tem tempo de homenagear um dos seus mestres, Frank Frazetta, dando a um dos guerreiros da Terra Selvagem uma máscara de animal que o deixa muito parecido com o Jaguar God, personagem de vários quadros de Frazetta.
Nas páginas seguintes, podem acompanhar o Wolverine e Frank Cho no seu regresso à Terra Selvagem, numa história épica, onde a natureza é luxuriante, os cenários grandiosos, as mulheres são belas e selvagens e os gorilas e os dinossáurios assustadores.

Poderosos Heróis Marvel 11 - Demolidor: Partes de um Todo

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E aqui fica o último editorial que escrevi para esta colecção. Uma das minhas histórias favoritas do Demolidor, que tive também o prazer de traduzir. O texto do Público, surge, como habitual nos volumes em que escrevo o editorial, apenas em imagem.

O DEMÓNIO E AS MULHERES


Estamos em 1998. A Marvel, que tinha acabado de declarar falência, decide encomendar à companhia independente Event Comics, de Joe Quesada e Jimmy Palmiotti, a produção das histórias de quatro personagens da Casa das Ideias, cujas revistas tinham sido canceladas, ou estavam em franca decadência: Demolidor, Justiceiro, Pantera Negra e Inumanos. Nascia assim a linha Marvel Knights, que relançou essas e outras personagens, em histórias como princípio, meio e fim, assinadas por autores de prestígio, alguns deles vindos dos comics independentes, ou de outros media, como Kevin Smith, recrutados por Quesada e Palmiottti para insuflar uma nova vida na editora. O sucesso da linha Marvel Knights foi tal que Joe Quesada foi nomeado editor-chefe da Marvel dois anos depois, em 2000 e o título que mais contribuiu para esse rápido sucesso, foi precisamente a série Daredevil.
Não por acaso, foi neste título que os dois editores se envolveram mais directamente, assegurando logo a arte do primeiro arco de histórias desta segunda série do Demolidor, cujos primeiros oito números foram escritos pelo cineasta Kevin Smith, que assim se estreou como argumentista de BD, com a saga Guardian Devil. Depois do sucesso de Guardian Devil, que trouxe a revista do Demolidor de volta à lista dos 10 títulos mais vendidos, onde não estava desde os tempos de Frank Miller, e com Smith de volta aos filmes, era preciso encontrar alguém capaz de o substituir.
Entre os vários autores que Quesada e Palmiotti contactaram inicialmente para trabalhar na linha Marvel Knights, estava David Mack. Nascido em 1972, em Cincinatti, no Ohio, Mack é o autor da série Kabuki, publicada inicialmente pela editora Caliber. Uma série que escreve e desenha, num estilo único, em que a linha se mistura com a pintura e a colagem, ficando bem patente a sua formação como designer, na forma como trata a página como um todo e como o texto e o desenho dialogam e se completam.
Precisamente por estar muito ocupado com a série Kabuki, que nessa altura ia ser relançada na Image, Mack não pôde aceitar o convite de Quesada para assumir um dos títulos à sua escolha da linha Marvel Knights, mas já não foi capaz de recusar um segundo convite, desta vez para ilustrar algumas capas e escrever uma história do Demolidor.
É essa história que poderão ler nas páginas seguintes e que assinala a estreia de Mack na Marvel. Uma estreia que lhe permitiu realizar um sonho de criança, pois o autor descobriu o Demolidor de Frank Miller quando tinha nove anos e foram essas histórias que o levaram a pensar pela primeira vez em contar, também ele, histórias através das imagens. E a influência do trabalho de Miller na escrita de Mack, é algo que o próprio é o primeiro a assumir, dizendo:
“As únicas histórias do Demolidor que li, foram as histórias do Frank Miller. Adorei essas histórias, quando era miúdo. Por isso, quando me convidaram para escrever uma história, para mim foi acima de tudo escrever sobre o personagem que li quando era miúdo. A caracterização psicológica do Rei do Crime que faço em Partes de um Todoé muito baseada no Rei do Crime das histórias de Frank Miller, pois esse é o único Rei do Crime que conheço.”
Mas a verdade é que, Wilson Fisk, o Rei do Crime, de David Mack, que nesta história divide o protagonismo com o Demolidor, é muito mais do que uma simples cópia do vilão que Miller tornou um dos mais importantes do Universo Marvel. É uma personagem de corpo inteiro, cujo passado é explorado pela primeira vez, de uma forma que vai ser replicada na série televisiva do Demolidor que a Marvel produziu para a Netflix. E muitos dos elementos dessa caracterização, Mack foi buscá-los à sua própria infância. Como o autor refere numa entrevista: “trouxe muito das experiências pessoais da minha infância, para escrever a infância do Rei. Muitas das memórias de infância de Fisk são as minhas.
O hamster e a roda que rodava toda a noite; as discussões entre os pais; o ter de rapar a cabeça devido a uma infestação de piolhos; os passos pesados do pai na escada quando regressava do trabalho, tarde na noite; os desenhos com os retratos de família no frigorífico; o calçar os sapatos do pai, enquanto ele dormia no sofá; aprender os nomes dos presidentes nas notas de dólares (…) a ambição de fazer as coisas acontecer. Todos esses detalhes da psicologia do jovem Wilson Fisk nascem da minha experiência directa, de coisas que vivi em primeira mão.”
Mas, para além de desenvolver a infância de Fisk, o contributo de David Mack para a mitologia do Demolidor passa também pela criação de Maya “Cavalo Louco” Lopez. A mulher por quem Matt Murdock se apaixona e que, enquanto Eco, vai tentar matar o Demolidor.
Face à morte de Karen Page na história anterior, havia necessidade de criar um novo interesse amoroso para Matt Murdock. Com Maya, Mack criou uma amante que é simultaneamente um inimigo, algo que não é propriamente uma novidade para o Homem sem Medo, um herói conhecido pela sua relação complicada com as mulheres, como o atestam as suas ligações tumultuosas com Elektra e até com Typhoid Mary.
Esse é um aspecto da personalidade de Murdock, que foi criado sem mãe, que Mack tem bem presente e que aborda na sua história. Como refere: “A sua mãe esteve ausente da sua vida. Por isso, ele passa a sua vida adulta saltando de mulher para mulher, tentando encontrar a pessoa que o compreende e que o complete. Cada uma dessas mulheres preenche uma lacuna da sua vida. Elektra representa a sua juventude, a Viúva Negra é a sua companheira no combate ao crime, e por aí em diante. Mas nenhuma consegue identificar-se com ele a todos os níveis. Nenhuma consegue compreender completamente o natural dificuldade em abarcar o mundo na sua totalidade, causada pela sua cegueira.”
Sendo surda, Maya, tem também necessariamente uma perspectiva limitada da realidade total e o facto de ter visto o seu pai morrer de um modo violento, faz dela uma alma gémea de Matt e, graças às maquinações de Fisk, a única pessoa capaz de o derrotar.
Em termos gráficos, Quesada e Palmiotti asseguram a arte da história, como já tinha acontecido no arco de Kevin Smith, mas o seu desenho altera-se, adaptando-se como uma luva à forma específica de narrar e planificar de Mack, que está na origem do sucesso da série Kabuki. Por exemplo, a forma como Maya vê o mundo, como a morte do seu pai a marcou, é transmitida através de desenhos de criança, que dialogam na página com o realismo barroco habitual ao traço de Quesada, do mesmo modo que a página se fragmenta, com a divisão tradicional em tiras e quadrados, a darem lugar a uma concepção mais orgânica da página, em que o próprio texto se torna um elemento importante do desenho.
O resultado é visualmente deslumbrante e muito inovador, aproveitando o melhor de ilustradores como Dave McKean, ou Bill Sienkiewicz, e abrindo caminho às experiências posteriores de J. H. Williams III, entre outros. O próprio David Mack é o primeiro a não poupar nos elogios a Quesada, dizendo: “Joe pegou no melhor da minha planificação e do meu estilo narrativo e misturou-o com a sua própria sensibilidade artística, dando origem a uma espécie de novo estilo artístico híbrido. Adorei o resultado! Continua a ser, para mim, o melhor trabalho que Joe Quesada alguma vez fez”
Face ao muito trabalho que tinham como editores, tanto Quesada, como Palmiotti, acabaram por ceder o lugar respectivamente, a David Ross e a Mark Morales, no desenho. Mas essa mudança, que passou praticamente despercebida aos leitores menos atentos, acabou por não afectar o equilíbrio estético do livro, que conserva uma apreciável homogeneidade, face ao rigoroso trabalho de planificação de Mack e ao excelente trabalho de Richard Isanove na cor.
O resultado final é uma das melhores histórias do Demolidor. Uma história que dá a descobrir aos leitores portugueses, o génio de David Mack.

Poderosos Heróis Marvel 12 - Thor: O Coração do Mundo

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THOR E O SURFISTA PRATEADO 
LUTAM PELA SEMENTE DA ÁRVORE DO MUNDO

Poderosos Heróis Marvel, Vol. 12Thor: O Coração do Mundo
Argumento – Matt Fraction
Desenho – Olivier Coipel
Quinta, 08 de Outubro + 8,90 €

A estreia do poderoso Thor nesta colecção, faz-se com uma história em que o Deus do Trovão tem que enfrentar um adversário bem conhecido dos leitores, que também é um poderoso herói da Marvel: o Surfista Prateado. Um confronto que tem por objectivo impedir que Galactus, o Devorador de Mundos, de quem o Surfista é o arauto, destrua Asgard, e por acréscimo, a América, pois após a destruição da ponte do Arco-íris, a pátria dos Deuses Vikings continua a flutuar sobre o Estado de Oklahoma.
Sendo dois dos mais ilustres representantes da dimensão cósmica do universo Marvel, que Jack Kirby tão bem soube cultivar, os confrontos entre Thor e o Surfista Prateado são uma constante ao longo da história da Casa das Ideias, com o arauto de Galactus a enfrentar o Deus do Trovão logo no quarto número da revista do Surfista, numa história de Stan Lee e John Buscema, publicada em 1968.
Na origem deste novo confronto está a Yggdrasil, a Árvore do Mundo, que serve de elo de ligação entre Asgard e os restantes oito Reinos, árvore que foi rasgada ao meio, e verte o líquido do espaço-tempo, pondo em risco o equilíbrio do universo. É bem no fundo das raízes dessa árvore, no Coração do Mundo, que Thor, Sif e Loki, vão recuperar a semente da Árvore do Mundo. Um objecto de tal forma poderoso que pode assegurar a imortalidade a Odin, ou saciar a eterna fome de energia de Galactus. Mas não as duas coisas em simultâneo. O que leva a um combate sem tréguas entre as duas divindades, tendo os aterrorizados habitantes de Broxton, Oklahoma, como testemunha.
Matt Fraction, o autor desta história, é um dos mais populares e premiados argumentistas do momento, graças ao seu trabalho nas séries Hawkeye (o Gavião Arqueiro, que protagoniza o próximo volume desta colecção, precisamente com a aclamada fase de Fraction e Aja) e Sex Criminals, Neste caso, Fraction revela-se um digno sucessor de J. M Straczinsky, o anterior argumentista de Thor, construindo uma história épica, repleta de momentos de aventura à escala cósmica e pequenos, mas certeiros, apontamentos de humor, dados pela ligação entre o volumoso Volstagg e os habitantes de Broxton.
Publicado originalmente no jornal Público de 02/10/2015

Frank Miller regressa a Batman com Dark Knight III: The Master Race

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Quando se aproxima o 30º aniversário da publicação de The Dark Knight Returns, a seminal obra de Frank Miller, recentemente reeditada em Portugal pela Levoir, nos Estados Unidos, a DC Comics prepara-se para lançar no final do ano, Dark Knight III: The Master Race, uma continuação que pretende ser o capítulo final da trilogia iniciada com The Dark Knight Returns em 1986, e prosseguida com o controverso The Dark Knight Strykes Again, de 2001.
Depois da publicação na Net de uma dezena, entre as mais de 30 capas alternativas, assinadas pelos maiores nomes dos comics, específicas para diferentes livrarias, incluindo a capa feita por Frank Miller que abre este post, a New York Comic Con, que decorreu este fim-de-semana, serviu para a DC divulgar mais informação sobre este projecto, incluindo algumas páginas do primeiro volume desta mini-série de 8 números, que chega às livrarias especializadas dos EUA em finais de Novembro, em duas edições. Uma em formato comic, com um mini-comic de 16 páginas em formato mais pequeno, agrafado no interior e, duas semanas depois, uma edição para coleccionador, em formato maior, com ambas as histórias no mesmo tamanho e lombadas, que juntas formarão um desenho.
Escrito por Frank Miller e Brian Azzarello, DKIII assinala o regresso de Miller ao activo depois de alguns anos afastado devido a doença. Um cancro cujos efeitos eram bem visíveis aquando das últimas aparições públicas do autor, em 2013, para promover a estreia do segundo filme da série Sin City. 
Aparentemente, Miller conseguiu superar a doença e, embora não desenhe o capítulo final da trilogia, desenha  uma capa alternativa para cada número e as páginas interiores  do primeiro mini-comic de 16 páginas, dedicado ao Atom, que vai sair no nº 1, como encarte e cuja capa, com um Super-Homem "bem dotado" e desenhado num estilo próximo do usado no segundo Dark Knight, causou controvérsia na Net.
A tarefa de desenhar a série principal, ficou a cabo de Andy Kubert, que desenhou algumas histórias memoráveis do Batman, escritas por Grant Morrison e Neil Gaiman,publicadas em Portugal pela Levoir, e de Klaus Janson, que volta a encarregar-se da arte-final, como tinha feito no primeiro Dark Knight e passa também a tinta os desenhos a lápis de Miller na história do Atom, reatando assim uma das parcerias mais famosas dos comics americanos, primeiro na série Daredevil, e depois no TDKR original.
Com publicação mensal, a série vai sofrer um interregno de um mês ao fim de 3 números, para dar lugar em Fevereiro, mês em que se comemoram os trinta anos da série original, a uma prequela desenhada por John Romita Jr., que volta a trabalhar com Miller, depois do excelente Daredevil: Man Without Fear, que foi uma das influências maiores da fabulosa série do Demolidor da Netflix.
Resta esperar por Novembro, para perceber se o regresso de Miller ao Batman consegue estar à altura das expectativas, sobretudo depois da desilusão que foi Holy Terror, o último trabalho em BD que Miller publicou. 
A famosa frase de Nietzche que diz que "o que não nos mata, torna-nos mais forte" sempre funcionou quase como um mantra na forma como Miller tratava os seus personagens. Esperemos que o próprio criador consiga também fazer jus a essa máxima e surja, neste seu regresso à BD, revigorado e ao seu melhor nível.
Precisamente por o motivo deste post ser o regresso de Frank Miller à BD, optei por ilustrá-lo só com desenhos de Miller (duas capas e uma página da história do Atom, com arte-final de Klaus Janson), mas no interessante video da entrevista com Jim Lee e Dan Didio, que está logo abaixo, poderão ver várias capas alternativas e os desenhos a lápis de Andy Kubert para algumas das páginas do primeiro volume.

Poderosos Heróis Marvel 13 - Gavião arqueiro. Quem pelo Arco Vive

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A ESTREIA DO GAVIÃO ARQUEIRO, 
NA PREMIADA VERSÃO DE FRACTION E AJA

Poderosos Heróis Marvel, Vol. 13
Gavião arqueiro: Quem pelo Arco Vive
Argumento – Matt Fraction
Desenho – David Aja e Javier Pulido
Quinta, 15 de Outubro + 8,90 €

Depois da Viúva Negra, no vol. 4 e do Homem-Formiga, no vol. 8, o último poderoso herói da Marvel a ter honras de estreia nesta colecção, é o Gavião Arqueiro, protagonista do volume que chega às bancas na próxima quinta-feira.
Criado por Stan Lee e Don Heck em 1964, no nº 57 da revista Tales of Suspense, Clint Barton, o Gavião Arqueiro começou por ser um vilão, mas rapidamente se redimiu e tornou-se um dos mais antigos membros dos Vingadores, compensando a sua ausência de superpoderes, com uma pontaria infalível com arco e flecha. Personagem relativamente secundário e algo derivativo, vista por alguns (e com uma certa razão) como uma cópia não muito inspirada do Arqueiro Verde da DC, o Gavião Arqueiro era um personagem quase desconhecido do grande público, que ganhou muito com a sua presença nos filmes dos Vingadores. Um filme de grande sucesso que, tal como aconteceu com a Viúva Negra, contribuiu para aumentar exponencialmente a sua popularidade junto dos leitores da Marvel, para além de lhe garantir um novo uniforme, bastante mais conseguido do que o original, criado por Don Heck…
Mas, no que ao Gavião Arqueiro diz respeito, o maior mérito do filme de Joss Whedon, foi mesmo ter possibilitado o aparecimento da série a solo do arqueiro da Marvel, cujos primeiros seis números poderão ler no volume 13 desta colecção. Escrita por Matt Fraction, autor que assinou também o argumento do volume anterior, dedicado ao Poderoso Thor, e desenhada principalmente pelo espanhol David Aja - que cede o lugar ao também espanhol Javier Pulido durante dois números, para uma história de espionagem na melhor tradição dos filmes de James Bond… ou das aventuras de Nick Fury, enquanto agente da S.H.I.E.L.D. - a série centra-se bem mais no homem, Clint Barton, a braços com os seus problemas como senhorio de um prédio pretendido pela máfia russa, do que no herói, o Gavião Arqueiro, que praticamente não usa o uniforme.
Um aspecto que evoca o clássico Demolidor: Renascido, de Frank Miller e David Mazzucchelli, já publicado numa anterior colecção da Marvel, do mesmo modo que o trabalho gráfico de Aja neste livro, se aproxima do estilo de Mazzucchelli, em Renascido. Embora estejamos perante duas histórias extraordinariamente bem contadas, criadas por duas equipas artísticas que dominam como poucos os mecanismos narrativos da Banda Desenhada, a grande diferença está no tom da narrativa. Uma diferença dada pela leveza e pelo humor dos diálogos de Fraction, que contrasta com o dramatismo e o pathos da escrita de Frank Miller.
Bem desenhado, melhor escrito e narrado de forma tão eficaz como inovadora, o Gavião Arqueiro de Fraction é um dos mais interessantes e premiados títulos da Marvel dos últimos anos e, naturalmente, um livro absolutamente a não perder.
Publicado originalmente no jornal Público de 09/10/2015

Depois de Billie Holiday, Bernard Prince: A BD no Público todas as semanas

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Embora só nesta quinta-feira termine a colecção Poderosos Heróis Marvel, com a publicação de Marvels: Por Trás da Objectiva, de Kurt Busiek e Jay Anacleto, já são conhecidas as próximas edições de BD a sair com o jornal Público, que até ao fim do ano,terá  Banda Desenhada todas as semanas.
No dia 5 de Novembro será lançado Billie Holiday, a biografia em BD da cantora de jazz Billie Holiday, cujo centenário de nascimento se comemora em 2015, assinada por dois mestres da BD argentina, José Muñoz e Carlos Sampayo, os criadores de Alack Sinner.
Na quarta-feira, dia 11 de Novembro, arranca mais uma colecção em parceria com a Asa, dedicada ao um dos grandes clássicos da BD franco-belga de aventuras: Bernard Prince, de Hermann e Greg. A série, que revelou o desenhador Hermann, vai ter direito a uma selecção de 12 títulos, que cobrem a maioria das histórias desenhadas por Hermann e ainda tem espaço para A Cilada dos Cem Mil Dardos, desenhada por Dany, o artista que teve a espinhosa missão de suceder a Hermann..

De fora, ara além de A Fortaleza das Brumas e Objectivo Cormoran, já publicados numa anterior colecção Público/Asa ficam Ameaça sobre o Rio, o álbum que assinala o regresso de Hermann a Bernard Prince, mais de trinta anos depois, Bernard Prince d'Hier e d'Aujourd'hui, uma recolha de histórias curtas desenhadas por Hermann, Orage sur le Cormoran, o segundo álbum desenhado por Dany e  La Dinamitera e Poison Vert, os dois álbuns finais desenhada por E. Aidans
Dois grandes lançamentos, que terão o merecido destaque neste blog.

Poderosos Heróis Marvel 15: A Despedida da colecção

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Com este volume chega ao fim mais uma colecção do Público e da Levoir e, como de costume, deixo-vos com o texto que escrevi para o jornal Público. Fica a faltar apenas o texto sobre o vol 14, dedicado ao Hulk, mas apaguei o ficheiro acidentalmente e, de qualquer maneira, como se tratou do texto mais curto que escrevi para esta colecção, a perda também não é grande...

KURT BUSIEK REGRESSA A MARVELS, 
NO VOLUME FINAL DA COLECÇÃO PODEROSOS HERÓIS MARVEL

Poderosos Heróis Marvel, Vol. 15
Marvels: Através da Objectiva
Argumento – Kurt Busiek
Desenho – Jay Anacleto
Quinta, 29 de Outubro + 8,90 €
Chega ao fim na próxima quinta-feira mais uma colecção que o Público e a Levoir dedicaram à Casa das Ideias e, com a publicação de Marvels: Através da Objectiva, pode dizer-se que fecha com chave de ouro.
Continuação de Marvels, um clássico incontornável, já publicado em Portugal na colecção Universo Marvel, que conquistou três Prémios Eisner e afirmou o desenhador Alex Ross como um dos maiores nomes da BD americana, Através da Objectiva prossegue com a história do Universo Marvel vista na perspectiva de um homem comum, o fotógrafo Phil Sheldon.
Uma continuação tão lógica como natural, pois face ao sucesso do primeiro Marvels, era inevitável que a editora pensasse numa sequela, e que Phil Sheldon, o herói involuntário do livro, que vai assistir ao nascimento do Universo Marvel e das suas primeiras três décadas de existência, acabasse por regressar às páginas dos comics. Logo em 1995 foi lançado Ruins, uma visão alternativa de Marvels, escrita por Warren Ellis, com arte de Therese e Cliff Nielsen, em que Phil Sheldon é um jornalista que investiga os múltiplos eventos e acidentes que criaram os super-heróis da Marvel, mas que neste universo resultaram em deformações e mortes, contrapondo a sensação de deslumbramento de Marvels a um negrume quase total. Mas anos mais tarde, seria o próprio Kurt Busiek a regressar ao universo de Marvels, na sequência de um convite do editor Tom Brevoort que não quis deixar passar em claro o décimo aniversário do livro que se tinha tornado um bestseller e uma obra de culto.
Naturalmente, Busiek não quis perder a oportunidade de voltar a escrever a vida de Phil Sheldon, personagem que lhe é bem caro. Como refere o escritor: “Gosto imenso do Phil como personagem que permite mostrar um ponto de vista; ele é completamente normal, tão pouco super-heróico que se torna na lente perfeita através da qual podemos observar o Universo Marvel - um velhote judeu, que conhece os super-heróis desde as suas origens, e que, por causa disso, me lembra um pouco o Stan Lee ou o Julius Schwartz. Ele é uma ligação aos inícios, mas no meio daqueles acontecimentos todos, a história dele continua a ser profundamente humana.”
Nascia assim Marvels: Através da Objectiva, em que o passado glorioso da Silver Age dá lugar a um presente bem mais sombrio, em que personagens amorais e violentas como o Justiceiro, Wolverine, ou o Motoqueiro Fantasma tornam cada vez mais ténue a fronteira entre os heróis e os vilões.
A ingrata tarefa de substituir Alex Ross, ficou (e bem) nas mãos de Jay Anacleto, um talentoso artista de origem filipina, que os leitores portugueses conhecem da série Aria, uma série de fantasia escrita por Brian Holguin que obteve um êxito imenso e colocou o nome de Anacleto no mapa. Contando com as cores sombrias de Brian Haberlin, Anacleto cria um registo gráfico que, não sendo tão espectacular como o de Alex Ross, se revela perfeitamente adequado para uma história sombria sobre uma era sombria.
Publicado originalmente no jornal Público de 23/10/2015

BILLIE HOLIDAY - A vida da Diva do Jazz numa Novela gráfica de Muñoz e Sampayo

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Grande fã de Muñoz e Sampayo, foi com prazer que soube que a Levoir ia editar em Portugal a biografia de Bille Holliday que eles fizeram. Para além de traduzir o livro e fazer as biografias dos autores, tive também oportunidade de escrever este texto para o Público, que aqui apresento na sua versão integral. As citações de José Muñoz foram extraídas de uma entrevista que lhe fiz em 2001 e que foi publicada anos depois na revista Quadrado

VIDA DE BILLIE HOLIDAY EVOCADA 
EM NOVELA GRÁFICA DE MUÑOZ E SAMPAYO

No ano em que se comemora o centenário do seu nascimento, o Público e a Levoir homenageiam Billie Holiday, a mítica diva do jazz, publicando pela primeira vez em Portugal a novela gráfica que Muñoz e Sampayo lhe dedicaram.
Vencedor do Grande Prémio de Angoulême em 2007, José Muñoz nasceu em 1942, em Buenos Aires e estudou na Escola Pan-Americana de Artes, onde foi aluno de Alberto Breccia e conheceu Hugo Pratt, os autores que mais influenciaram o seu estilo. Aos 18 anos, começou a trabalhar como assistente de Solano Lopez, em El Eternauta (a obra-prima da BD argentina, escrita por Oesterheld) e pouco depois substituiu Hugo Pratt como desenhador de outra série mítica criada por Oesterheld, Ernie Pike. Carlos Sampayo nasceu em 1943, também em Buenos Aires. Definindo-se como “um boxeur amador até um dia em que ficou K.O. por se ter distraído a olhar para um cartaz publicitário”, Sampayo trabalhou inicialmente em publicidade, até se dedicar a tempo inteiro à BD.
Nomes maiores da BD argentina, os dois autores construíram a sua carreira conjunta na Europa, onde se exilaram em inícios da década de 70, para fugir à ditadura militar argentina, e onde ainda residem.
Curiosamente, essa colaboração nasceu num aeroporto e amadureceu noutro. Tudo começou em 1974, no aeroporto de Londres, quando Oscar Zarate (desenhador argentino que trabalhou com Alan Moore) aconselhou Muñoz, de partida para Espanha, a contactar com Sampayo, um escritor argentino então a viver perto de Barcelona, que Muñoz tinha conhecido três anos antes, curiosamente noutro aeroporto, aquando da partida de Zarate para Inglaterra.
Da parceria entre esses dois argentinos exilados, nasceu em 1975 um herói, Alack Sinner, o detective americano que valeria aos seus criadores dois Prémios de Angoulême, em 1978 e 1983. Como refere Muñoz: "A nossa formação cultural, feita na Argentina, durante os anos 50 e 60, foi extremamente rica e variada, pois tínhamos acesso à maioria do material europeu e norte-americano... Tivemos assim a sorte de poder apreciar o que de bom vinha dos Estados Unidos. E uma dessas coisas boas era o policial "negro" americano, até porque a situação política na Argentina tinha infelizmente tudo a ver com a realidade do policial negro, era mesmo uma autêntica novela de terror!
Foi desse caldo de cultivo que nasceu Alack  Sinner, cujo nome significa “ai de mim, pecador”. A reflexão destas nossas confusões internas, o desejo desesperado de manter uma vida digna, fora do nosso país, um país que matava os nossos irmãos, tudo isso foi transformado e sublimado em Alack Sinner.
Uma série que é composta de ciclos distintos. Numa primeira fase, seguimos as regras do policial negro de forma rigorosa, mas à medida que o trabalho nos educou e fomos crescendo como autores, Alack Sinner tornou-se a síntese principal da nossa dupla criativa. Dia após dia. “
Para além das histórias de Alack Sinner, personagem que atravessa a obra da dupla, estando presente também em Billie Holiday, a música é um elemento fundamental na obra de Muñoz e Sampayo que, além desta biografia de Billie Holiday, dedicaram mais recentemente um livro à vida de Carlos Gardel, nome maior do tango.
A importância da música na obra da dupla é algo perfeitamente assumido, como se percebe pelas palavras de Muñoz: “Alack Sinner é uma metáfora musical do tango e do jazz. Fizemos também uma história sobre Charlie Mingus, um músico que eu conhecia mal, pois fiquei-me mais pelo jazz até aos anos 50, mas que Carlos, que é o grande especialista de jazz, adorava. Até nesse aspecto, em termos musicais, nos completamos... Quanto a Billie Holliday, o caso foi diferente. Ambos temos um profundo amor e admiração pelo trabalho desta mulher, e quanto Lucas Taletti, um italiano que vive em Paris e era nosso agente na altura, nos propôs fazermos uma BD sobre Billie, entrámos quase em órbita!
Mas Billie Holliday também é uma emanação de Alack Sinner. Tudo isto são como emanações, mas que não são apenas bairros periféricos de Alack Sinner, mas uma consequência da seriedade tragicómica da nossa aposta de fazer algo sério através de uma linguagem, a BD, que nem sempre tem sido usada com esse objectivo.”
Prova que a arte não conhece fronteiras, este trabalho de dois argentinos, sobre uma cantora negra americana, publicado originalmente em Itália, em 1990, na revista Corto Maltese e em livro em França, chega finalmente a Portugal, na versão especial comemorativa do centenário do nascimento da cantora.
Que melhor testemunho poderia haver da dimensão global de uma obra, em que Nova Iorque é uma Buenos Aires traduzida e Billie Holiday e Carlos Gardel ganham vida no desenho a preto e branco de Muñoz? Mais uma vez, Muñoz tem a resposta: “neste mundo a meio caminho entre o sonho e a vigília que são os nossos trabalhos, tudo se harmoniza. A música de Billie Holliday podia perfeitamente pertencer a um ambiente de tango. Entre as grandes cantoras de tango e as cantoras de jazz, como Billie Holliday há uma familiaridade. A mesma profundidade de um coração desgarrado, mas vivo, que canta.”
Versão integral do texto publicado no jornal Público de 30/10/2015 

O regresso de Simon Du Fleuve

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SIMON DU FLEUVE, 
A REDESCOBERTA DE UM CLÁSSICO PÓS-APOCALÍPTICO

Para os leitores de uma geração, actualmente entre os 40 e os 50 anos, que cresceu com a edição portuguesa da revista Tintin, há nomes que trazem recordações imediatas. Um desses nomes é o de Simon Du Fleuve, o herói da série homónima de Claude Auclair, que foi uma das primeiras a explorar a aventura num cenário pós-apocalíptico, abrindo caminho a outras abordagens posteriores ao género, como Le Transperceneige, de Lob e Rochette (já analisado numa anterior edição da revista Bang!), Armalite 15, de Michel Crespin, ou Jeremiah, de Hermann, para nos limitarmos a exemplos da BD franco-belga. Uma série de culto, que volta finalmente a estar disponível graças à edição integral da Lombard, cujo primeiro volume já terá fechado às lojas FNAC, na altura em que este número da Bang! for publicado.
Nascido em 1943, Claude Auclair tirou o curso de Belas Artes, em Nantes, tendo trabalhado como cenógrafo e decorador de teatro durante grande parte da década de 60. A profissão leva-o a mudar-se para Paris onde fica até 1967, quando, já cansado do trabalho no teatro, decide deixar tudo e viajar pelo Mediterrâneo durante um ano. No regresso a Paris, que coincide com o Maio de 68, decide mudar de vida e dedicar-se primeiro à ilustração e depois à BD.
Os seus primeiros trabalhos de ilustração são para as revistas de ficção científica das Editions OPTA, enquanto que a sua estreia na BD se faz no fanzine Phénix, com uma história curta. A redescoberta da BD, de que Auclair nem era leitor assíduo, dá-se graças a Robert Roquemartine, o primeiro proprietário da Livraria Futuropolis– Livraria que, anos mais tarde, nas mãos de Etienne Robial e Florence Cestac vai dar origem à histórica editora como o mesmo nome - que lhe dá a descobrir os clássicos, como Alex Raymond, Harold Foster, ou Jijé, e o apresenta aos autores que frequentavam a sua livraria.
Um desses autores era precisamente Jean (Moebius) Giraud. Giraud, que já conhecia o trabalho de Auclair das capas das Editions OPTA, além de o ajudar na sua primeira história, Aprés, publicada na revista Underground Comics, convida-o a mostrar o seu trabalho a Goscinny e a colaborar na revista Pilote. A estreia de Auclair na Pilote dá-se em 1970, com Jason Muller, uma série pós-apocalíptica, que, como veremos, está na génese de Simon Du Fleuve. As duas primeiras histórias de Jason Muller foram escritas por Giraud e por Pierre Christin (o argumentista de Valerian e dos melhores álbuns de Bilal, que aqui assina com o pseudónimo Linus), enquanto Auclair escreveu as duas seguintes, mas a série ficar-se-ia por estas quatro histórias curtas, pois Goscinny rejeitou, sem lhe dar quaisquer justificações, as propostas de argumentos apresentados por Auclair para novas aventuras de Jason Muller.
Mas Auclair não queria deixar morrer o universo de Jason Muller e, dois anos depois, decide propor essas mesmas histórias, ligeiramente reformuladas, a Greg, o argumentista de Comanche, Bernard Prince e Bruno Brasil e editor da revista Tintin. Embora A Saga do Grizzly, a primeira história que publicou no Tintin belga não tenha tido grande sucesso e a colaboração entre Greg e Auclair na história Os Náufragos de Arroyoka, em 1971, não tenha deixado grandes saudades a nenhum dos autores, Greg soube reconhecer o potencial do universo criado por Auclair e, em 1973, abriu-lhe novamente as portas da revista Tintin, onde os leitores viram nascer as Crónicas do Tempo Futuro e o seu protagonista, Simon Du Fleuve.
No seu poema The Hollow Men,T. S. Elliot diz que o mundo vai terminar, não numa explosão, mas num suspiro, e é essa a perspectiva seguida por Auclair na criação do universo pós-apocalíptico onde decorrem as aventuras de Simon Du Fleuve. Aqui não há uma guerra nuclear, sem sequer uma alteração climatérica extrema, como em Le Transperceneige, mas o lento agudizar da crise provocada pela Guerra Fria e pelo choque petrolífero, que leva a um clima de guerra civil generalizado e ao colapso da sociedade de consumo, seguido por uma série de epidemias que reduzem drasticamente a população mundial.
A maioria dos sobreviventes abandona as cidades e regressa aos campos, vivendo em comunidades, trabalhando a terra, ou pastoreando animais. O dinheiro perde o seu significado e dá lugar à troca directa. Os carros, que a falta de gasolina tornou inúteis, dão lugar aos cavalos. Os vestígios da civilização industrial, como as torres de electricidade, as estradas, linhas e estações de comboio, continuam a marcar a paisagem, mas não passam de monumentos grotescos a um mundo que já não existe. A excepção são as cidades-fortaleza, onde se refugiam os Senhores, com os seus exércitos que, esses sim, têm ainda veículos em estado de funcionar e gasolina e para os alimentar, para além de um vasto arsenal que lhes permite atacar as tribos nómadas e transformar os sobreviventes em escravos, que permitem manter a funcionar as fábricas que alimentam esse esforço de guerra.
Nascido numa dessas cidades, Simon é filho de um investigador que inventou uma pistola laser, e que na sequência do assassinato do seu pai, destrói os planos da arma e foge com o único protótipo existente, de modo a impedir que esta tecnologia mortífera caia nas mãos dos senhores das Cidades.
O primeiro ciclo da série, que compreende seis álbuns (La Balade de Cheveu Rouge, O Clã dos Centauros, Os Escravos, Maílis, Os Peregrinos e Cidade N.W, nº 3) relata a fuga de Simon e o seu regresso à cidade onde nasceu, para fazer justiça, contando com a ajuda de Jason Muller, personagem que reaparece na obra de Auclair, mas envelhecido, deformado e enlouquecido por uma vida de combates. Esses álbuns traçam um percurso movimentado e violento, em que Simon é obrigado a lutar pelos seus ideais e encontra o amor por duas vezes, sempre com resultados trágicos, até descobrir finalmente a sua companheira para a vida em Emeline.
As aventuras de Simon Du Fleuve são histórias duras e violentas, marcadas por um profundo sentido de justiça e de humanidade, reflexões em tom ecológico, sobre as consequências do progresso descontrolado, servidas por um traço realista de grande dinamismo, que rapidamente conquistou os leitores. Mas, como sempre aconteceu com Auclair, esse sucesso não foi conquistado com facilidade. O autor teve que enfrentar obstáculos complicados, logo no primeiro álbum da série, assumidamente inspirado no livro Le Chant du Monde, de Jean Giono, que devido à pressão da Gallimard, a editora de Giono, que viu aqui um caso de plágio, apenas saiu na revista Tintin, sendo interdita a sua publicação em álbum.
Mas a partir daí, primeiro no Tintin belga e depois em álbum, a série começa a conquistar o público, a crítica e até os autores de BD franceses. O ponto de viragem é o álbum Maílis. Como refere Auclair: “Em Paris, os profissionais de Banda Desenhada só me começaram a falar de Simon, a partir de Maílis, quando já não era possível ignorar o sucesso conseguido pela série. Antes disso, sentia que toda a gente fazia de conta que eu não existia. Fui reconhecido bastante mais cedo na Bélgica, onde me atribuíram vários prémios. Os países nórdicos e Portugal também reagiram com muita força à série.”
Em Portugal, esse sucesso foi evidente com a publicação, a partir de 1975, primeiro na revista Tintin e depois em álbum, do primeiro ciclo de Simon Du Fleuve, pela Bertrand. O clima cultural e ideológico que se vivia em Portugal a seguir ao 25 de Abril, ajudou a esse sucesso, mas a qualidade do trabalho de Auclair foi decisiva.
Ainda assim, Simon Du Fleuve não é uma série perfeita, com o tom panfletário e o carácter demasiado expositivo de algumas das histórias, a fazerem-se notar. O momento em que a série mais se aproxima da perfeição, é precisamente o álbum Maílis, em que Simon entra na vida de duas mulheres que vivem desterradas numa cabana à beira de um pântano. Um pântano que, revela Auclair é muito inspirado no pântano bretão, onde o autor passou a infância com a avó. Como refere: “ a cabana que lhes desenhei, é parecida com a casa onde vivia a minha avó”.
Para além do triângulo amoroso que se vai formar com a chegada de Simon e que terá consequências trágicas para todos, há um elemento fantástico que marca a história. Uma antiga central nuclear, habitada por mutantes criados pela radiação, que repetem, como num cerimonial religioso, a rotina de funcionamento de uma central nuclear.
Depois de Cidade N-W Nº 3, que encerra o primeiro ciclo das aventuras de Simon Du Fleuve, Auclair troca o espartilho dos álbuns com heróis e as histórias de 48 páginas, pela liberdade total da revista (A Suivre), onde está presente desde o primeiro número, trabalhando, sempre em colaboração com argumentistas, em sagas a preto e branco, de mais de cem páginas, como Bran Ruz, ou Le Sang du Flamboyant.
È através da revista (A Suivre) que Auclair vai conhecer Alain Riondet, um argumentista e ilustrador, com quem vai ressuscitar Simon Du Fleuve, num segundo ciclo de quatro álbuns e publicar uma novela gráfica a preto e branco, Celui-Lá. Constituído pelos álbuns L’Eveilleur, Les Chemins de L’Ogam e pelos dois volumes de Naufrage, este segundo ciclo, em que Simon Du Fleuve está menos presente e reduzido a um papel mais passivo, fica marcado por um ambiente mais místico e por um simbolismo muito pouco subtil, que fazem com que estes álbuns tenham envelhecido bem pior do que os primeiros.
Já em termos gráficos, estamos perante o melhor de Auclair. O desenhador, sabendo-se doente, com um cancro do estômago que o haveria de matar em 20 de Janeiro de 1990, com medo de não ter tempo de desenhar todas as histórias que tinha em mãos, trabalha a um ritmo alucinante para os padrões da BD franco-belga. Em apenas dois anos, publica os quatro volumes do segundo ciclo de Simon Du Fleuve e o primeiro volume, de quase cem páginas de Celui Lá. Só não tem tempo de terminar de desenhar o segundo volume de Celui Lá, que será terminado por Jean-Claude Mézieres e Jacques Tardi, que desenham as pranchas finais, de modo a que o livro possa ser lançado no Festival de Angoulême de 1991, numa última homenagem a Auclair, desaparecido exactamente um ano antes.
Auclair era um apaixonado pelo mar e pretendia passar algum tempo a navegar, tendo mesmo mandado construir um veleiro para isso, mas a doença que o levou, não lhe deu tempo de se fazer ao mar. Fê-lo Simon por ele, pois para além do mar estar muito mais presente no segundo ciclo, a última imagem do herói que o leitor vê, é precisamente Simon e Eveline a afastarem-se de barco, em direcção a outras aventuras. Aventuras que Auclair já não teve tempo de contar.
Publicado originalmente no nº 19 da revista Bang!, de Outubro de 2015

Batman Noir de Azzarello e Risso

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Este ano editorial da Levoir não podia terminar melhor do que com a edição de Batman Noir, uma recolha das histórias do Batman da dupla Azzarello e Risso, apresentadas num preto e branco que realça a fanstática arte de Eduardo Risso. Lançado na Comic Con, onde esgotou durante a tarde de sábado, o livro foi depois distribuido com o Público no domingo, encontrando-se disponível nos quiosques de todo o país. Na Comic Con, foi um prazer reencontrar Eduardo Risso, que entrevistei em 2005, para a revista Comix, e conhecer Brian Azzarello, que se revelou bastante mais divertido do que a sua imagem pública deixa transparecer. 
Como neste caso, para além do texto para o Público, assinei também o editorial do livro, deixo-vos com o editorial, ficando o texto do Público reduzido à imagem.


BATMAN A PRETO E BRANCO, 
OU AS SOMBRAS DE EDUARDO RISSO

Embora seja o mais popular herói do Universo DC, o Batman, antes de ser um super-herói é, acima de tudo, um detective, dimensão bem evidente nas primeiras histórias do herói criado por Bob Kane, com a colaboração de Bill Finger, que se estrearia, não por acaso, nas páginas do nº 27 de uma revista chamada… Detective Comics. Entre os autores que melhor souberam explorar essa dimensão mais detectivesca do Cavaleiro das Trevas estão o escritor Brian Azzarello e o desenhador Eduardo Risso, autores que, embora sejam mais conhecidos pela premiada série 100 Bullets, têm uma ligação ao Batman, tão longa quanto frutífera.
Este volume recolhe precisamente os momentos principais dessa ligação, apresentando-os num glorioso preto e branco, que realça o extraordinário trabalho gráfico do argentino Eduardo Risso. De fora, fica apenas a história de 12 páginas publicada semanalmente em 2009 no projecto Wednesday Comics, pensada para o grande formato de 36 cm x 50,5 cm, dos suplementos dominicais dos jornais clássicos, onde saíram séries como o Little Nemo de Winsor McCay, e que ficaria praticamente ilegível ao ser drasticamente reduzida para o formato tradicional dos comics americanos.
Embora seja essencialmente um autodidacta, Eduardo Risso frequentou um curso de seis meses com o “viejo” Alberto Breccia, o desenhador de Mort Cinder e é precisamente a Breccia e ao seu compatriota José Muñoz (o desenhador de Billie Holiday) que Risso vai beber a sua apurada técnica de preto e branco, que aqui, removidos todos os vestígios da cor, brilha em toda a sua glória.
Uma opção estética que “casa” perfeitamente com o tom geral deste livro, muito próximo do policial hard boilled de que Azzarello é um mestre, pois como refere o espanhol Jordi Bernet, o criador de Torpedo e outro mestre do desenho a preto e branco: “o branco e preto é o ideal para as histórias realistas, sobretudo as do género noir. Gosto de acentuar o dramatismo nas sequências que assim o exijam e, brincando com o preto e branco, consigo obter efeitos muito mais directos do que com a cor. O preto e branco é bem mais simples e eficaz. É mais forte, directo, natural.”

A abrir o livro temos Cicatrizes, o contributo do argumentista de Chicago e do desenhador argentino para a série Batman Black & White. Uma história curta em que Batman enfrenta Victor Zsasz, um assassino psicopata e em que brilham os diálogos de Azzarello e a planificação dinâmica de Risso. Um pequeno aperitivo que abre o apetite do leitor para os dois pratos principais desta experiência “gourmet” centrada na arte de Eduardo Risso e na dimensão noir do universo do Cavaleiro das Trevas que o seu excepcional jogo de sombras vem realçar.

Segue-se Cidade Destroçada, história que, embora pensada inicialmente como uma novela gráfica solta, acabou por ser publicada nos números 600 a 625 da revista mensal Batman, onde teve a ingrata tarefa de suceder a Silêncio, a saga épica de Jeph Loeb e Jim Lee, que trouxe Batman de volta ao primeiro lugar dos tops de vendas. Seguindo o imortal conselho dos Monty Python, Azzarello e Risso optaram por algo completamente diferente do que tinha sido feito na história anterior. Em Cidade Destroçada não há Super-Homem, Oráculo, Robin, Asa Nocturna, Caçadora, Batmóvel, Batcaverna, o mordomo Alfred, Comissário Gordon ou a Mulher Gato, mas apenas Batman, um Batman solitário, investigando um crime numa cidade sombria, desprezada por Deus.
Por isso, em vez de uma história de super-heróis, temos um inquérito policial, na melhor tradição da literatura e do cinema noir, tantos nos cenários, como na narrativa, onde não podia faltar uma voz off desencantada e diálogos rápidos e certeiros como balas, protagonizado por um detective que se veste de morcego e que está demasiado obcecado com o caso que investiga para perceber o que realmente aconteceu. Azzarello e Risso, que já tinham fundido o policial negro com a espionagem e a teoria da conspiração no premiado 100 Bullets, recriam aqui na perfeição o ambiente de film noir, numa história de crime e castigo, em que nem sequer falta uma mulher fatal, tão bela quanto perigosa.  
Eduardo Risso faz aqui uma síntese extremamente feliz dos Batmans de Frank Miller, criando um Cavaleiro das Trevas a meio caminho do Batman de O Regresso do Cavaleiro das Trevas e o Batman de David Mazzucchelli, em Ano Um, a que não faltam as sombras de Sin City, que a publicação a preto e branco acentua, sem que o seu traço perca personalidade.
Do mesmo modo, a sua sombria Gotham é uma verdadeira selva de betão, onde os adversários de Batman adquirem uma dimensão mais negra e realista. Veja-se o Croc, que em vez de um crocodilo humano, aparece como um chulo com uma doença de pele que o faz parecer um crocodilo; e, principalmente, o ventríloquo Arnold e o seu sinistro boneco, Mr. Scarface, um dos mais ridículos vilões da galeria de inimigos de Batman, a quem Azzarello dá uma dimensão simultaneamente trágica e inquietante. Do mesmo modo, a conversa entre Batman e o Joker no Asilo Arkham, traz-nos à memória o primeiro encontro da agente do FBI Clarice Sterling com o Dr. Hannibal Lecter no filme O Silêncio dos Inocentes.

A encerrar temos Noite da Vingança, uma história que explora com mestria uma realidade alternativa, na linha das da série Elseworlds, cujas potencialidades inesgotáveis os leitores portugueses já puderam descobrir em Batman: Outros Mundos, de Brian Augustyn e Mike Mignola e Super-Homem: Herança Vermelha, de Mark Millar e Dave Johnson.
No caso desta história, integrada na saga Flashpoint, cujo desfecho vai dar origem ao Universo DC da era Novos 52, foi Bruce Wayne quem morreu às mãos de Joe Chill e é Thomas Wayne quem vai assumir o manto e o capuz do Cavaleiro das Trevas para vingar a morte do filho. O resultado é um Batman bastante mais impiedoso, a quem Risso dá uma corporalidade que o aproxima do Batman de Miller em O Regresso do Cavaleiro das Trevas, que se movimenta numa Gotham em que a polícia foi privatizada, Harvey Dent nunca se transformou no Duas Caras e Thomas Wayne é proprietário do maior casino da cidade, gerido com a ajuda do Pinguim… E se a maioria dos vilões deste universo alternativo acabou por ser morto pelo Batman, o Joker mantém-se bem activo e mais sanguinário do que nunca.
O resultado é uma das melhores histórias do Batman da última década, que um twist, tão espectacular como inesperado, torna verdadeiramente inesquecível e que encerra em beleza esta viagem pelo universo detectivesco do Cavaleiro das Trevas. Um universo a que as sombras de Eduardo Risso dão uma dimensão tão sombria como espectacular.

FELIZ NATAL!

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Para o habitual Postal Natalício, este ano escolhi uma ilustração clássica de John Byrne, com alguns dos maiores heróis da DC, editora que, por via da nova colecção da Levoir, tem sido responsável pelo menor ritmo de actualização deste blog...
Uma imagem simples, eficaz e divertida, em que,  mesmo sem ter a visão de Raios X do Superman, é fácil perceber qual foi a prenda do Arqueiro Verde...
Para todos os visitantes deste blog, aqui ficam os meus votos de um Feliz Natal,de preferência com muita BD no sapatinho, até porque este ano não faltaram edições, em quantidade e qualidade para isso.
Boas Festas e um excelente Ano de 2016!

LISBON CALLING: Os ícones da América visto pelos ilustradores portugueses

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O último texto deste blog em 2015, tem uma particularidade especial. Apesar de ter sido escrito para uma publicação específica (o Catálogo do último AmadoraBD) mantinha-se inédito, em virtude do dito catálogo, que este ano, pela primeira vez, não teria direito a uma  versão impressa, não ter saído ainda sequer em formato digítal, mais de dois meses após o final do Festival.
Por isso, aqui o deixo, tal como foi escrito e fazendo referência apenas às peças que tinham sido entregues na altura em que redigi o texto.
Resta-me desejar um bom ano aos leitores deste blog, onde prometo regressar, logo no início de 2015, com a habitual lista das 10 Melhores BDs que li no ano que findou. 

LISBON CALLING: UM CONVITE DA EMBAIXADA AMERICANA AOS ARTISTAS PORTUGUESES

Entre as dezenas de milhares de visitantes que se deslocaram ao Fórum Luís de Camões durante os dezassete dias que durou o último AmadoraBD, houve um visitante muito especial. Robert Sherman, o Embaixador norte-americano em Portugal que, tendo-se deslocado à Amadora expressamente para visitar a exposição dedicada aos 75 Anos do Batman, acabaria por visitar as restantes exposições que compunham o núcleo central do Festival.
 Tendo colaborado directamente com Lawrence Klein no comissariado das exposições dedicadas aos 75 Anos do Batman e ao Surfista Prateado, outra personagem icónica dos Comics, tive o privilégio de fazer a visita guiada ao Embaixador. Umas das coisas que mais fascinou Robert Sherman na mostra dedicada ao septuagésimo quinto aniversário do Cavaleiro das Trevas, foi a recriação, feita por autores portugueses (e pelos argentinos Juan Cavia e Santiago Villa) de algumas das capas mais importantes da série, cujos originais não foi possível localizar.
 Logo ali, o embaixador sugeriu organizar para a edição seguinte do Festival, uma exposição, com o alto patrocínio da Embaixada, para divulgar o trabalho desses artistas nacionais, muitos deles a trabalhar directamente para o mercado americano. Mostrando que nem todos os políticos são iguais, Robert Sherman cumpriu a sua promessa e a mostra Lisbon Calling, organizada em conjunto pela Embaixada americana e pelo AmadoraBD, aqui está para o provar.
O convite, que era também um desafio, que o embaixador Sherman dirigiu aos desenhadores portugueses, através de Lawrence Klein, que comissariou a exposição a partir dos Estados Unidos, foi para que criassem, em total liberdade, imagens com personagens da cultura Pop americana em cenários portugueses, ou versões portuguesas de heróis americanos da BD ou do cinema. Ou seja, imagens que reflectissem o diálogo entre as duas culturas, recriando, deste lado do Atlântico, os ícones da cultura americana, que os comics e o cinema tornaram globais.
 A este desafio responderam com prontidão mais de uma dezena de artistas, na sua maioria membros integrantes do Lisbon Studio, um colectivo de autores (cuja composição vai variando conforme as entradas e saídas do estúdio) que partilham um atelier num apartamento em Lisboa, perto da Estação de Santa Apolónia e que têm aproveitado as sinergias resultantes desse convívio diário, para participarem activamente em projectos como este, ou editarem uma revista on-line com trabalhos dos seus elementos.
Curiosamente, quem melhor captou a essência do desafio, através de uma composição espectacular, tanto em termos cenográficos, como de detalhe e composição, foi Penim Loureiro, que nem é membro do Lisbon Studio. O arquitecto e autor de Banda Desenhada, que já no ano passado tinha participado na exposição do Surfista Prateado, recriando uma página emblemática de Moebius, pega agora num dos mais famosos monumentos de Lisboa, o Padrão dos Descobrimentos, criado para a Grande Exposição do Mundo Português, de 1940, substituindo os navegadores por personagens dos comics, com o Batman, no lugar do Infante Dom Henrique, secundado por heróis como o Superman, Robin, Mulher-Maravilha, Arqueiro Verde, Demolidor, Rocketeer, Príncipe Valente, Wolverine, Homem de Ferro, Hellboy, Lanterna Verde, Lobo e Deadpool, com o Doutor Destino e o Marv de Sin City a erguerem um padrão, numa réplica perfeita das poses das figuras do lado este do monumento desenhado por Cotinelli Telmo e esculpido por Leopoldo de Almeida.
Como refere Penim Loureiro: “Quando o Lawrence Klein me convidou a fazer uma ilustração da fusão entre a cultura comics dos EUA e a de Portugal, pensei mais na contaminação cultural.
Seleccionei um marco na paisagem, com algum carácter maniqueísta, apelo ao imaginário português tão simplificado como a cultura americana. O Padrão dos Descobrimentos - mais propaganda e posse de "peito tufado" que humanidade - pareceu-me o momento (monumento que subverte a temporalidade) mais indicado. Este entrosamento de imagética exibicionista e fruição facilmente se transformou num grupo de super-heróis norte americanos em clássica posse escultórica. O resultado parece natural, no fim de contas as personagens modeladas por Leopoldo de Almeida, em 1939, não eram de carne e osso; eram mitos. Heróis que nos fazem esquecer da nossa fragilidade.”
Entre os heróis que repetem a sua presença na exposição, temos o Wolverine, o mais popular integrante dos X-Men, que, para além do Padrão dos Descobrimentos, surge a recorrer aos serviços de um amolador de tesouras para afiar as garras, numa ilustração de Joana Afonso e numa versão feminina, como Wolvarina, personagem fruto da ligação de Wolverine com uma varina de Lisboa, nascida da imaginação de Ricardo Cabral.

Outro herói também presente na composição do Padrão dos Descobrimentos, que vai ser aproveitado por outro autor, é o Superman. O Homem de Aço que Osvaldo Medina, coloca a cantar o fado, numa casa de fados. O mesmo sucede com o Batman, que Pedro Ribeiro Ferreira coloca multiplicado de fato e gravata, nas escadarias da Assembleia da República, numa evocação do escândalo das “viagens fantasma”, protagonizado por um deputado que ficou com a alcunha precisamente de “Batman”. Também os Peanuts, de Charles Schulz, estão presentes em duas imagens, através de Charlie Brown. Pepe Del Rei mete-o, e ao Snoopy, numa cena do filme Pátio das Cantigas (o original, com António Silva, naturalmente) a provocar o Evaristo, enquanto Marta Teives o põe agarrado à traseira de um eléctrico (possivelmente o 28) para subir uma das sete colinas de Lisboa.
 Os Vingadores, ou Avengers, que o cinema transformou no mais popular gupo de super-heróis da actualidade, estão numa divertida recriação de João Tércio, através de quatro falsas capas de revistas, que os reúne (como The Agenders) para uma sardinhada, para além de dar um toque bem português aos seus principais membros, transformando o Homem-Aranha em Spider-Mané, um típico “pintas” lisboeta, com bigode, barriga de cerveja e o cigarro ao canto da boca; o Capitão América em Sardine America (o que vem tornar algo estranha a sua presença numa sardinhada, com os restantes Agenders…), enquanto o Homem de Ferro se transforma no Iron Soccer, um cruzamento entre o Cristiano Ronaldo e o Homem de Ferro, da Marvel.
Outro membro dos Vingadores em destaque, é o Poderoso Thor, que Filipe Andrade desenha a sair do bar Viking, local emblemático da “noite” do Cais do Sodré. Mas as referências escolhidas pelos ilustradores portugueses não se ficam pela BD. Também o cinema está presente, seja na homenagem de Dileydi Florez ao filme de The Nightmare Before Christmas, de Tim Burton, cujas personagens são transpostas para Alfama durante os Santos populares, seja no encontro entre Marilyn Monroe e o Zé Povinho, encenado por Pedro Ribeiro Ferreira.
O mesmo podemos dizer em relação às personagens da televisão, pois o “nosso” Zé Gato (o primeiro detective da TV portuguesa) surge ao lado de Jessica Rabitt, numa ilustração de Pep Del Rei, enquanto Marta Teives coloca o Scooby Doo e os seus amigos, a fugirem de um Olharapo. Abordagem diferente é a seguida por Nuno Duarte (que assina “o outro Nuno” para não ser confundido com o argumentista seu homónimo) que recria duas imagens icónicas, introduzindo-lhes elementos tipicamente portugueses. Assim, na capa da revista Mad, que se transforma em Toma!, em vez Alfred E. Neuman - a mascote da revista, cuja cara está sempre em destaque nas capas, substituindo a personalidade, ou personagem, que é alvo de paródia - temos o “nosso” Zé Povinho, a fazer o típico “manguito”. O mesmo sucede na outra imagem que criou para esta exposição, que parte do célebre cartaz do Buffalo Bill’s Wild West Circus, substituindo o mais famoso dos cowboys, por um campino chamado JoaQuim Touro, enquanto que o Circo do Velho Oeste dá lugar ao Grupo de Forcados Amadores.
Finalmente, Pedro Ribeiro Ferreira cria uma daquelas sardinhas ilustradas que se tornaram um dos símbolos das Festas de Lisboa e da criatividade da ilustração nacional, enchendo-a de símbolos imediatamente reconhecíveis da América, do Tio Sam a Hommer Simpson, passando pelo Calvin, ou Rato Mickey. Ingredientes semelhantes, tem a salada criada por Nuno Lourenço Ferreira, onde caretos e galos de Barcelos se misturam com o Hulk, Homem-Aranha e Tartarugas Ninjas, num prato de aspecto apetitoso, temperado com as cores da bandeira portuguesa.
Toda esta diversidade e criatividade poderão ser  vistas durante o período em que decorre o Festival. Mais tarde, as peças viajarão naturalmente para os E.U.A, e em 2016 está também prevista a sua exibição no Festival de Lodz, na Polónia, dando assim outra visibilidade a este saboroso desafio intercontinental a que os artistas portugueses tão bem souberam responder.
Texto escrito originalmente para o Catálogo do 26º Amadora BD, ainda a aguardar publicação digital.
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