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Super-Heróis DC 12 - Batman: O Regresso do Joker

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Como prometido, prossegue a publicação diária dos textos para a Colecção Super-Heróis DC que faltava colocar no blog, com O Regresso do Joker, um dos melhores livros desta colecção que não teve o espaço que merecia no texto do Público. neste caso, não é grave, pois o editorial também é meu. Um editorial que, curiosamente, foi escrito para a primeira colecção da Levoir dedicada à DC e que na altura acabou por não sair, pois o livro foi vetado pela Panini, por na altura estarem a ser distribuidas nas bancas as sobras das edições brasileiras que traziam as histórias do Batman do Snyder e do Capullo. Mais de um ano depois, o texto foi finalmente publicado, mas com pequenos cortes impostos pela DC.

JOGO DE MÁSCARAS

No mais conseguido dos filmes que fez para Hollywood, John Woo, o mestre do cinema de Hong Kong que revolucionou os filmes de gangsters, com obras como The Killer, ou A Better Tomorrow, filma uma intriga em que Nicolas Cage, no papel de um criminoso e John Travolta, como o polícia que o persegue, trocam literalmente de cara, e assumem a vida um do outro, transformando na sua máscara, o rosto do seu inimigo. Esse filme chama-se Face Off e esse título encaixaria como uma luva à história do Batman que vão ler de seguida, pois se no filme de Woo o rosto do rival se transforma na máscara de cada um dos protagonistas, o que permite a Travolta e a Cage jogar com os tiques de representação do parceiro, o Joker aqui vai ainda mais longe e transforma o seu próprio rosto na sua máscara.
Na sequência da reformulação das revistas do universo DC com o lançamento da linha Novos 52, o maior dos vilões desse universo, o Joker, esteve ausente das páginas da principal revista do Batman durante um ano, enquanto, como já vimos nesta colecção, Scott Snyder e Greg Capullo enriqueciam a mitologia do Cavaleiro das Trevas, introduzindo a Corte das Corujas, uma sociedade secreta que controlava os destinos de Gotham há mais de uma centena de anos. Apenas terminada essa saga, o Joker regressou pelas mãos de Snyder e Capullo, numa das mais perturbadoras histórias do Batman de sempre, em que a tensão psicológica e o terror atingem níveis muito elevados.
Como o próprio Snyder refere numa entrevista, “o que aconteceu foi que a DC queria afastar o Joker para dar espaço a novos vilões que estavam a ser criados no âmbito da linha Novos 52, e eu disse-lhes que tinha uma ideia para uma história do Joker mais à frente. Tony (S. Daniel, o escritor da revista Detective Comics) tinha-se lembrado de um par de maneiras de fazer o Joker desaparecer por uns tempos. Falámos sobre essas diferentes hipóteses, de que ambos gostávamos e chegámos à conclusão que a história que mais lhe interessava contar, podia encaixar muito, muito bem na minha história”.
E foi assim que, no nº 1 da nova revista Detective Comics, em Novembro de 2011, o Joker se deixa capturar pelo Batman e é levado para o Asilo Arkham, onde convence o Dollmaker a remover-lhe cirurgicamente o rosto. Rosto que é deixado pregado como uma relíquia na parede da sela, enquanto o Joker, tal como uma serpente que deixa para traz a antiga pele, desaparece deixando o que resta da sua face na mão das autoridades.
Só no nº 12 da revista Detective Comics, numa história curta de James Tynion IV, um jovem escritor lançado por Snyder no mundo dos comics, ilustrada por Szymon Kudranski, cujo título The Tell Tale Face, remete para The Tell Tale Heart o conto de terror de Edgar Alan Poe, o peso da presença da cara do Joker na esquadra de Gotham é evocado, numa história que prepara o leitor para o eminente regresso do sorridente vilão, cujo rosto descarnado é escondido pelas sombras e que, por isso foi escolhida para abrir este volume.
Assim, depois de um ano desaparecido, planeando o seu regresso, o Joker está de volta, para atacar o Batman através daqueles que lhe são queridos, mas primeiro vai recuperar o seu rosto, numa impressionante sequência, em que, jogando com as sombras e sugerindo muito mais do que mostram, Snyder e Capullo criam momentos de puro terror. Momentos que culminam, no final do primeiro capítulo, com a revelação da nova imagem do Joker, em que o rosto que perdeu se transforma na sua máscara, uma máscara presa à carne viva por correias de couro. Uma imagem fortíssima, que não consegue deixar de evocar um ícone do terror cinematográfico, o personagem Leatherface do filme Texas Chain Saw Massacre, de Tobe Hopper.
E se virmos bem, mais do que uma saga de super-heróis, este O regresso do Joker, é uma história de terror psicológico, o que acaba por ser natural, pois tanto Scott Snyder como Greg Capullo têm grandes ligações ao género. Capullo estreou-se na BD ilustrando Gore Shriek, um comic de terror para adultos, enquanto Snyder, ainda antes de se dedicar à BD, se estreou como escritor em 2006 com Voodoo Heart, uma recolha de contos de terror, dois dos quais foram selecionados por Stephen King para a antologia The Best American Short Stories, de 2007. O mesmo Stephen King que vai colaborar com Snyder em American Vampire, a série que este último lançou na Vertigo em 2010 e que o tornou um nome popular e prestigiado junto dos leitores de comics.
Mas, embora crie uma história que acentua o lado negro do Cavaleiro das Trevas, Snyder não esquece o contributo dos autores que o antecederam para a mitologia da personagem e do seu maior inimigo. Assim, se o título original desta saga, Death of the Family, remete para o clássico Death in the Family, de Jim Starlin e Jim Aparo, em que o Joker mata Jason Todd, o segundo Robin, essa não é a única das grandes histórias com o Joker a ser evocada. Ao colocar o Joker a reencenar alguns dos seus crimes mais famosos, Snyder homenageia histórias clássicas, como The Killing Joke, de Alan Moore e Brian Bolland, já publicado na 1ª série dedicada ao Universo DC, The Man who Laughs, de Ed Brubaker e Doug Mahnke e o incontornável Asilo Arkham de Grant Morrison e Dave McKean, também já editado pela Levoir. O que não impede que este Regresso do Joker, pela forma como explora a relação do Batman com os seus amigos e aliados mais próximos e como estes, ao tornarem-se alvos preferenciais do Joker, se revelam a sua maior vulnerabilidade, se aproxime até mais de outro título publicado já publicado pela Levoir, em que a participação do Batman é bastante limitada. Refiro-me à Crise de Identidade, de Brad Meltzer e Rags Morales, que mostrava que a maior fragilidade dos super-heróis residia na incapacidade de proteger aqueles que amam e lhes são próximos, dos ataques dos seus inimigos.
Se o talento de Snyder para escrever histórias do Batman inesquecíveis, já não é surpresa para ninguém desde o magnífico Black Mirror, a escolha de Greg Capullo para ilustrar o Batman na principal revista da linha Novos 52, foi recebida com surpresa, pois o desenhador, cuja carreira está sobretudo associada à sua colaboração com Todd McFarlane na série Spawn, durante perto de vinte anos, estava longe de ser uma escolha óbvia para desenhador do Cavaleiro das Trevas.
Mas a verdade é que Capullo revelou-se um dos melhores desenhadores do Batman deste século, adaptando o seu estilo, bastante mais legível sem a arte-final de McFarlane, às necessidades da personagem e influenciando a própria narração de Snyder. Um escritor que, embora habituado a escrever argumentos extremamente detalhados, em que nada é deixado ao acaso, foi gradualmente dando maior autonomia a Capullo, que nesta história assume a principal responsabilidade pela planificação e colabora também na própria evolução da história. Como refere Snyder, “no fim de contas, o que Greg (Capullo) traz para a história não é só o que está na página, em termos artísticos. De um ponto de vista visual, ele discute a história comigo e contribui com ideias. Ele é realmente o co-autor, o co-criador das histórias. Quem gosta deste Batman devia agradecer ao Greg Capullo, porque ele é fundamental em fazer do Batman aquilo que é aqui.”
O efusivo endosso de Snyder não ficou por aqui: “O Greg Capullo é um mestre da expressão. Ele é mesmo, mesmo bom a fazer com que as personagens contem a história através de expressões faciais e gestos, e também é mesmo, mesmo bom tanto em sequências de acção como em cenas estáticas. Com o Greg, em vez de ter personagens a conversar longe do leitor, tento sempre mantê-las próximas, porque sei que ele é óptimo a acrescentar subtilezas às expressões delas”.
Conciliando tradição e modernidade, Scott Snyder e Greg Capullo construíram uma das melhores histórias do Batman da última década, trazendo uma dimensão ainda mais icónica ao mais carismático dos vilões do Universo DC. Uma história única, tão sombria como espectacular, que os leitores portugueses também vão poder descobrir já a seguir.

Super-Heróis DC 13 - Novos Titãs: O Contrato de Judas

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Este grande clássico também não teve no Público o espaço que justificava. Na verdade, este foi o texto mais curto que escrevi para esta colecção. De qualquer maneira, apesar de algo datado em alguns aspectos, vale muito a pena e finalmente está disponível em Portugal. 

O CONTRATO DE JUDAS: 
O CLÁSSICO DE WOLFAN E PÉREZ CHEGA AO PÚBLICOSuper-Heróis DC Vol 13
Novos Titãs: O Contrato de Judas 
Argumento –  Marv Wolfman
Desenhos – George Pérez 
Quinta, 28 de Abril
Por + 9,90 €
Por mais estranho que isso possa parecer nos dias de hoje, em 1984, havia um título protagonizado por jovens heróis que chegou a vender mais do que as revistas do Batman e do Super-Homem. Esse título era a revista dos Novos Titãs e os responsáveis por esse sucesso, tão inesperado como fulgurante, foram o argumentista Marv Wolfman e o desenhador George Pérez.
Grupo composto pelos parceiros adolescentes dos principais heróis da DC, como Robin, Kid Flash e Aqualad, os Titãs surgem pela primeira vez em 1964, na revista The Brave and the Bold e dois anos depois ganham um título próprio que, com altos e baixos, se manteve em publicação até 1976. A revista seria relançada em 1980, como The New Teen Titans, e o sucesso foi imediato, por força do talento conjunto de Wolfman e Pérez que, nos 50 números em que colaboraram, constroem uma saga épica, cheia de reviravoltas e emoção, que culmina com este Contrato de Judas.

Uma história em que os leitores descobrem, estupefactos, que existe um traidor infiltrado no grupo de jovens heróis, que está a ajudar Slade Wilson, o Exterminador, na sua missão de eliminar os Novos Titãs.
Clássico incontornável da história da DC e ponto mais alto da passagem dos autores pela revista dos Novos Titãs, O Contrato de Judas está finalmente em português!
Texto publicado originalmente no jornal Público de 22/04/2016

Super-Heróis DC 14 - Super-Homem e Mulher-Maravilha: O Par Perfeito

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O CASAL MAIS PODEROSO DO MUNDO

Super-Heróis DC Vol 14
Super-Homem & Mulher-Maravilha: O Par Perfeito 
Argumento – Charles Soule
Desenhos – Tony S. Daniel
Quinta, 5 de Maio
Por + 9,90 €
Uma das mudanças mais importantes que a linha Novos 52 veio introduzir na história do Super-Homem, foi apagar a relação do Homem de Aço com Lois Lane, da continuidade oficial da personagem, fazendo com que um namoro que se prolongou por mais de 50 anos e que até deu em casamento, desaparecesse da cronologia oficial do Universo DC da Era Novos 52.
Já em 1969, o escritor de ficção científica Larry Niven, no seu famoso ensaio Man of Steel, Woman of Kleenex, provava a impossibilidade física de uma mulher normal resistir a uma relação sexual com um ser superpoderoso como o Super-Homem, pelo que um romance entre o Super-Homem e a Mulher-Maravilha, nesse aspecto, surge como mais lógico e natural. E a verdade é que, embora nunca antes concretizada na cronologia oficial, essa ligação entre os dois mais poderosos heróis do Universo do Universo DC foi explorada em histórias alternativas, como Kingdom Come, ou no Dark Knight Strykes Again, de Frank Miller, onde os dois têm uma filha.
Já na linha Novos 52, essa relação foi evocada por Geoff Johns, logo nas páginas da revista da Liga da Justiça, na história que abriu esta colecção, para em 2013 sair finalmente uma nova revista, Superman/Wonder Woman, protagonizada pelo casal mais poderoso do mundo. Calhou ao argumentista Charles Soule e ao desenhador Tony S. Daniel a honra de retratar a primeira relação romântica “oficial” entre os  dois heróis. Uma relação que se torna pública precisamente em Par Perfeito, a história que preenche o penúltimo volume da colecção Super-Heróis DC
Assim, para além de terem de enfrentar ameaças à altura dos seus poderes, como o Apocalipse e o General Zod, o Super-Homem e a Mulher-Maravilha, têm que gerir o impacto que a revelação do romance deles tem junto da opinião pública, dividida entre o fascínio exercido pelo “casal perfeito” e o medo de quem acha que, juntos, os dois seriam incontroláveis.
Uma complicada equação, que as origens dos dois heróis (extraterrestre e divina) e o seu passado, tornam ainda mais complexa,
As relações amorosas nunca são fáceis, sobretudo entre seres todo-poderosos que encaram de maneira diferente a sua dimensão humana, mas são precisamente essas dificuldades que trazem interesse à história. Ou não acabassem todos os contos precisamente na parte em que os amantes “viveram felizes para sempre”…
Texto publicado originalmente no jornal Público de 29/04/2016

Super-Heróis DC 15 - Esquadrão Suicida: Nós que Vamos Morrer

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E, a fechar a semana, aqui vai o texto do volume que fechou esta segunda colecção dedicada à DC. Seguem-se a segunda edição das Novelas Gráficas e a edição portuguesa de Watchmen. Ou seja, muita coisa sobre a qual irei escrever e que aqui publicarei.

ANTES DE CHEGAR AO CINEMA, 
O ESQUADRÃO SUICIDA FECHA A COLECÇÃO SUPER-HERÓIS DC

Super-Heróis DC Vol 15
Esquadrão Suicida: Nós que Vamos Morrer
Argumento –  John Ostrander
Desenhos – Luke McDonnell
Quinta, 12 de Maio
Por + 9,90 €
A três meses de chegar às salas de cinema, num dos filmes mais aguardados do ano, o Esquadrão Suicida é o protagonista do volume final da colecção que o Público e a Levoir dedicaram aos Super-heróis da DC Comics.
Mostrando como as diferenças entre os heróis e os vilões são cada vez mais difusas, os membros do Esquadrão Suicida são, na sua maioria, criminosos que aceitam missões arriscadas, em troca de uma redução da pena. O conceito de grupo secreto do Governo Americano, formado por criminosos, para levar a cabo missões suicidas, de cuja existência em caso de fracasso, o governo podia facilmente negar ter conhecimento, não é propriamente novo, tendo sido explorado em filmes como Doze Indomáveis Patifes, de Robert Aldrich, ou Sacanas Sem Lei, de Quentin Tarantino, mas é cheio de potencialidades.
E é precisamente esse potencial que John Ostrander vai explorar na segunda versão do Esquadrão Suicida (a primeira versão, de 1959, era constituída apenas por heróis que combatiam monstros), cujo primeiro arco de histórias este volume recolhe. Esta novo Esquadrão Suicida, nasceu durante a mini-série Legends, de 1986 (também escrita por Ostrander) e ganhou rapidamente um título próprio no ano seguinte, que Ostrander escreveu durante 67 números, até ao seu cancelamento, em 1992, contando com a colaboração de Luke McDonnell nos desenhos da maioria dessas histórias.
Embora a formação do grupo vá variando, fruto das necessidades específicas de cada missão e dos elementos que vão caindo em combate, o Pistoleiro, Encantadora, Beladona, Capitão Bumerangue e Tigre de Bronze, são os vilões que, sob a coordenação do Coronel Rick Flagg Jr., formam o núcleo duro do Esquadrão Suicida nas histórias incluídas neste volume. Uma formação que apresenta algumas variações de elenco em relação ao Esquadrão do cinema, com destaque para a ausência da Arlequina, a namorada do Joker, criada por Paul Dini e Bruce Timm para a série de animação do Batman.
Antes de ver o filme, aqui fica o convite ao leitor para acompanhar o Esquadrão Suicida em três missões mortais, que passam por atacar um grupo terrorista islâmico na sua própria fortaleza, deter uma invasão de Apokolips e libertar uma escritora dissidente soviética de um hospital-prisão, na Rússia de Gorbatchov.
Texto publicado originalmente no jornal Público de 06/05/2016

Darwyn Cooke (1962-2016)

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Vão-se os melhores! No caso de Darwyn Cooke, a notícia foi tão brutal como inesperada... Na sexta-feira, a mulher de Cooke anunciou no blog do autor que ele estava a receber cuidados paliativos, para uma forma muito agressiva de cancro e, cerca de 24 horas depois, anunciava o seu falecimento.
Com uma carreira que se iniciou na animação, Cooke era um dos mais talentosos desenhadores da actualidade e um extraordinário narrador, com um estilo de uma elegância nostálgica e um aspecto "vintage" inconfundíveis.
De uma obra vasta e muito conseguida, destacam-se as adaptações dos romances de Richard Stark, da série Parker, o primeiro dos quais a Devir editou em Portugal, e o magnífico The New Frontier, uma revisitação nostálgica da origem da Liga da Justiça, que o próprio adaptou para um excelente filme de animação, mas não podemos esquecer também a sua colaboração com Ed Brubaker na série Catwoman, a sua releitura do Spirit, de Will Eisner (a única a estar à altura do trabalho de Eisner), as colaborações com Justin Gray e Jimmy Palmiotti na série Jonah Hex e a sua participação decisiva na série Before Watchmen.
O seu último trabalho, a mini-série Twilight Children, em que colabora com Gilbert Hernandez, embora interessante e muito bem ilustrado, não está entre o melhor dos dois autores, mas Cooke estava a trabalhar numa mini-série para a Image, chamada Revengeance, que não se sabe ainda em que estado de adiantamento estava e se chegará alguma vez a sair.
O que está disponível, e é indispensável, é  o livro Graphic Ink: The DC Comics Art of Darwyn Coooke, uma artbook, magnificamente ilustrado, que mostra bem a qualidade estética, a elegância e o sentido de composição do malogrado autor. Um dos nomes maiores dos comics americanos de quem, o punhado de imagens que vou postar a seguir, fazem uma pálida justiça.

















Os Vampiros - Texto de antevisão para o blog galego Metrópoles Delirantes

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Este ano, a propósito do Dia das Letras Galegas, o blog galego Metrópoles Delirantes convidou uma série de críticos de BD a escolherem um livro para destacar no Blog. Este ano, para além dos críticos e bloguers galegos, o convite foi estendido a dois críticos portugueses.
O Pedro Cleto, que escreveu sobre O Poema Morre, de David Soares e Sandra Oliveira, e eu, que escrevi sobre Os Vampiros, o novo livro de Filipe Melo e Juan Cavia, que vai ser lançado no sábado no Festival de BD de Beja.
Com um limite bastante rígido de 200 palavras, o texto que podem ler a seguir é apenas uma primeira abordagem , sem spoilers , a um livro cujo processo acompanhei de perto e que merece um destaque bem maior, pelo que voltarei a ele depois do Festival de Beja.
Aqui fica o texto escrito para as Metrópoles Delirantes:

Os Vampiros, de Filipe Melo e Juan Cavia

Conhecidos graças à série Dog Mendonça e Pizzaboy, o maior sucesso da BD portuguesa dos últimos cinco anos, a dupla Filipe Melo e Juan Cavia regressa à Banda Desenhada com Os Vampiros, uma novela gráfica de grande fôlego que será lançada no final de Maio no Festival de BD de Beja.
Centrada no destino de um grupo de comandos portugueses destacados na Guiné, enviado para uma missão secreta no Senegal, que se revelará uma viagem ao coração das trevas, Os Vampirosé claramente um passo em frente no percurso dos dois autores. Apesar do título poder evocar o universo sobrenatural das aventuras de Dog Mendonça, essa evocação é enganadora.
Este livro é algo completamente diferente, onde o terror é agora sobretudo psicológico e tremendamente humano, sem o humor presente em Dog Mendonça. Se quisermos estabelecer um paralelo com o cinema, área em Filipe Melo também dá cartas (tal como Dog Mendonça, Os Vampiros também começou por ser um guião para cinema) podemos dizer que, se Dog Mendonça estava mais próximo de um Indiana Jones, ou das Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim, Os Vampirosé o Platoon, ou talvez até mais, o Apocalipse Now de Melo e Cavia.
Uma obra tremendamente ambiciosa e perturbadora, sobre o horror da guerra e os demónios que existem dentro de cada homem, muitíssimo bem contada e maravilhosamente desenhada por um Juan Cavia que se revela igualmente um colorista de excepção. O ano ainda agora vai a meio, mas não tenho grandes dúvidas que Os Vampiros é a melhor BD portuguesa de 2016.

A caminho de Beja, para o XII Festival Internacional de BD

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Se há evento ligado à BD que faço questão de não falhar, é o Festival de BD de Beja, que começa precisamente esta noite e dura até 12 de Junho. Como sempre, o primeiro fim-de-semana é o mais importante, pois é aquele em que estão todos os autores convidados, entre portugueses e estrangeiros. É também a altura dos lançamentos e apresentações de livros e de programas editoriais.
Eu, para além de estar por lá durante o fim-de-semana, a conviver e a aproveitar a gastronomia e os vinhos alentejanos, vou também estar à conversa com dois autores de que gosto particularmente. Edmond Baudoin, no sábado, entre as 17h e as 17h30m, e Eduardo Risso, entre as 21h e as 21h30m. Neste caso, para os resistentes que preferirem ouvir falar de BD a ver a Final da Champions.
O Programa completo do Festival, organizado com a simpatia e eficácia do costume por Paulo Monteiro e a sua equipa, que este ano troca a Casa da Cultura, pelo Teatro Pax Júlia, bem no centro histórico, pode ser consultado aqui. Mas há desde logo destaques que se impõem, como a exposição e o lançamento dos Vampiros de Filipe Melo e Juan Cavia e as presenças de Paco Roca, um dos mais interessantes autores espanhóis da actualidade, que se estreia num Festival português, Eduardo Risso,Edmond Baudoin, Henrique Magalhães e Marcelo D' Salete, entre os autores estrangeiros
Quanto a mim, se o tempo o permitir, conto aqui deixar um punhado de imagens de mais uma edição do mais simpático  Festival de BD nacional.

Novela Gráfica - Série II - Apresentação da colecção

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A NOVELA GRÁFICA REGRESSA AO PÚBLICO 

Os leitores pediram e o Público fez-lhes à vontade com a publicação, já a partir da próxima quinta-feira, da Série II da colecção Novela Gráfica, que chega às bancas a 16 de Junho. São quinze títulos, na sua grande maioria assinados por autores que não integraram a primeira colecção, mas onde há ainda espaço para o regresso de nomes de peso, como Jiro Taniguchi e Altarriba e Kim, os grandes vencedores dos galardões para a melhor BD estrangeira publicada em Portugal, atribuídos pelo Festival da Amadora e pela Comic Con, com O Diário do meu Pai e A Arte de Voar, respectivamente. Também de regresso, está Moebius, desta vez a solo, com A Garagem Hermética, um dos títulos marcantes de uma carreira incontornável.
Nas estreias, destaque para Zeina Abirached, a primeira mulher publicada na colecção Novela Gráfica, corrigindo uma lacuna da colecção anterior, com a Dança das Andorinhas e para o lançamento, quase em simultâneo com a edição original, de Presas Fáceis, de Miguelanxo Prado e A Asa Quebrada, de Altarriba e Kim.
Mas um dos grandes objectivos destas colecções é dar a descobrir grandes clássicos que se mantinham escandalosamente inéditos em português de Portugal. É o caso de V de Vingança, um dos melhores e mais influentes trabalhos de Alan Moore, o criador de Watchmen, que abre a colecção, ou de Fogos e Murmúrios, dois dos mais importantes trabalhos de Lorenzo Mattotti, reunidos num único livro, que dá a descobrir aos leitores portugueses o extraordinário trabalho de cor do mestre italiano.
Numa colecção em que a actualidade política e os conflitos armados estão bastante presentes, há também espaço para obras mais intimistas, como Daytripper, o premiado trabalho dos gémeos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá, que conta, num registo intimista com um toque de realismo mágico sul-americano, a vida (e as mortes) de Braz de Oliva Domingos, um escritor de obituários. Num registo próximo, está A História de um Rato Mau, de Bryan Talbot, que mistura o universo fantástico da escritora e ilustradora Beatrix Potter, com a realidade nua e crua do abuso de menores, numa história tocante. Igualmente tocante é Terra de Sonhos, uma recolha de, tão belas como comoventes, histórias curtas, sobre o amor aos animais e à natureza, que confirmam à saciedade o talento e a sensibilidade de Taniguchi, o autor japonês responsável por um dos maiores sucessos da colecção anterior.

O MUNDO É UM LUGAR PERIGOSO

Embora todos os géneros sejam permitidos, uma das tendências dominantes da Novela Gráfica, tem sido a reportagem de guerra. Histórias, autobiográficas, ou não, que tentam dar uma perspectiva interna e real da forma como os conflitos que agitam este mundo, se reflectem em quem os vive, ou testemunha.
A força das imagens permite explicar mais facilmente aos leitores a complexidade de algumas situações geoestratégicas e a adopção de um ponto de vista concreto, em vez de uma visão mais global, ajuda o leitor a perceber que, por trás das estatísticas das mortes em combate e, sobretudo dos “danos colaterais”, estão pessoas como nós, que vêm a sua vida completamente destruída e são obrigadas a recomeçar noutro lugar.  
O actual drama dos refugiados sírios mostra-nos que estas situações se mantém bem presentes e alguns títulos desta colecção, ajudam-nos a perceber melhor o que é (sobre)viver no meio de uma guerra.

 A libanesa Zeina Abirached, nascida em Beirute, em 1981, viveu os primeiros dez anos da sua vida numa cidade debaixo de fogo, destruída por uma sangrenta guerra civil que provocou mais de centena e meia de milhar de mortos, mas no seu Livro, A Dança das Andorinhas, apesar da crueldade da realidade exterior, o que ressalta é a inocência da infância e a capacidade de uma comunidade se manter unida, quando tudo à sua volta desaba.
Já em Fax de Sarajevo, o norte-americano Joe Kubert relata a historia real do seu agente Ervin Rustemagic, que perdeu a casa e os seus bens, incluindo uma impressionante colecção de desenhos originais de grandes nomes da BD, durante a guerra da Bósnia Herzegóvina, quando a sua casa em Dobrinja, nos subúrbios de Sarajevo, foi bombardeada pelas tropas sérvias. Prisioneiro numa cidade sitiada, Rustemagic tinha um aparelho de fax como único meio de contacto com o exterior e foi com base nos faxes que Rustemagic lhe ia enviando, que Kubert pode contar a sua história.
Embora sejam claramente obras de ficção, tanto V de Vingança, como Presas Fáceis, mostram como a ficção se pode aproximar (perigosamente) da realidade. Distopia futurista na linha do 1984, de George Orwell, V de Vingança imagina uma Inglaterra sob domínio de uma ditadura fascista, com campos de concentração, e câmaras de televisão que vigiam todos os movimentos das pessoas. Se o próprio Alan Moore considerava o governo neoliberal de Margaret Tatcher como a concretização desse futuro totalitário imaginado em V, a actual omnipresença de câmaras de vigilância e a forma como as comunicações electrónicas são monitorizadas, mostram que, neste caso, a realidade ultrapassou a própria ficção.
Já em Presas Fáceis, é a crise financeira e os abusos do sistema bancário que estão em destaque, numa história de estrutura policial, mas que se revela um verdadeiro libelo acusatório contra a ânsia desmedida de lucro, que leva as instituições bancárias a não terem o menor escrúpulo de enganar os seus clientes, em especial aqueles que pouparam toda uma vida para ter uma reforma descansada e acabam por perder as suas poupanças, em aplicações bancárias claramente imorais e de legalidade discutível.


UM GÉNERO EM REVISTA(S)

Embora, actualmente, as novelas gráficas sejam publicadas completas, num único volume, que recolhe toda a história, durante várias décadas, a pré-publicação por capítulos em revista, era forma mais usual de publicar essas histórias pela primeira vez.
Uma solução com vantagens para o autor, que assim ia recebendo à medida que ia publicando, para além de ter um feedback mais imediato dos leitores, o que lhe permitia até fazer eventuais alterações na história durante a publicação.
Na anterior colecção, vimos o caso da revista(A Suivre), onde A Guerra das Trincheiras, de Tardi, foi pré-publicado e da sua importância na criação do conceito de “Roman BD”. Nesta segunda série, embora não tenhamos nenhum título prépublicado na(A Suivre), não faltam exemplos de histórias que surgiram primeiro nas páginas das revistas. É o caso, desde logo, de V de Vingança, cujos primeiros capítulos foram publicados originalmente em Inglaterra, entre 1982 e 1983 na revista Warrior, ou das histórias de Terra de Sonhos, de Taniguchi, que antes de serem recolhidas em livro, foram originalmente publicadas no Japão, entre 1991 e 1992, nas páginas da revista Big Comic, da editora Shogakukan.
Também Parque Chas, de Barreiro e Risso, teve uma primeira publicação na Argentina, na mítica revista Fierro, publicação dirigida pelo argumentista e teórico Juan Sasturain, que aproveitou a liberdade concedida pelo fim da ditadura militar, em meados dos anos 80, para dar espaço e inteira liberdade criativa, aos excelentes desenhadores e argumentistas que a Argentina produz.
Mas a revista mais representada nesta colecção, é a Metal Hurlant. Um sonho de liberdade criativa concretizado por um grupo de autores, que incluía Moebius e Jean-Claude Dionnet. Logo no editorial do nº1, Moebius lembra que: “uma história de BD não tem de parecer-se com uma casa, com a sua porta de entrada, as janelas para ver a paisagem e uma chaminé para o fumo… também é perfeitamente imaginável uma história em forma de elefante, de campo de trigo, ou de fogo-de-artifício.”
A Garagem Hermética, cujos episódios iam sendo inventados à medida que eram publicados, sem guião prévio, ou qualquer tentativa de continuidade, é um bom exemplo dessa atmosfera de liberdade total, enquanto Os Exércitos do Conquistador, de Dionnet e Gal, subverte as regras das histórias de Sword and Sorcery, introduzindo um toque existencialista tipicamente francês.
Finalmente, também Guido Crepax publicou as aventuras de Valentina nas principais revistas italianas, como Linus, Alter-Alter e Corto Maltese, tal como as duas histórias que compõem o volume dedicado a Mattotti saíram primeiro em revista em Itália, antes de serem publicadas em livro em França. Fogos, na revista Alter-Alter em 1984 e Murmúrios na revista La Dolce Vita, em 1987.

A FORÇA DA NOVELA GRÁFICA ESPANHOLA

Numa colecção que inclui autores japoneses, libaneses, brasileiros, argentinos, sérvios, ingleses, franceses, italianos e americanos, a nação mais representada é a nossa vizinha Espanha, o que diz bem do momento actual da Banda Desenhada no país dos “nuestros hermanos”. Se Miguelanxo Prado cujo mais recente trabalho, Presas Fáceis, estreia em Portugal antes de ser publicado em França e quase em simultâneo com a sua publicação original em Espanha, tem praticamente toda a sua obra editada em português, o mesmo sucede com os trabalhos mais recentes de Altarriba que, depois de A Arte de Voar, sobre o pai, regressa com a Asa Quebrada, dedicado à mãe, também editado no nosso país quase em simultâneo com a edição original. Já de Paco Roca, que se estreia nesta colecção com O Inverno do Desenhador, baseado na história real de um grupo de desenhadores que, na Espanha dos anos 50, ousou desafiar a poderosa editora Bruguera, os leitores portugueses vão poder descobrir que a sua obra não se limita ao premiado Rugas.
Quantidade e qualidade que confirmam que, pelo menos no que diz respeito à novela gráfica, o ditado “de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento”, não podia estar mais longe da realidade.


A COLECÇÃO

1 –V de Vingança 
16 de Junho
Argumento – Alan Moore 
Desenhos – David Lloyd
A Inglaterra mergulhou num regime fascista depois de uma catastrófica guerra nuclear, e todos os opositores ao poder instalado foram exterminados. Neste universo, ao mesmo tempo distópico e familiar, V, um revolucionário anarquista, vai encetar uma complexa campanha revolucionária para deitar abaixo o governo, enquanto inspira uma jovem, Evey Hammond, a continuar a sua luta.
Primeiro grande sucesso de Alan Moore, a história desenhada por David Lloyd e publicada originalmente na revista Warrior no início da década de 80, deu origem a um filme de grande sucesso, produzido pelos irmãos Wachowsky (Matrix) graças ao qual a máscara usada por V se tornou a imagem de marca do grupo Anonymous.

2  – Terra de Sonhos
23 de Junho
Argumento e Desenhos – Jiro Taniguchi
Jiro Taniguchi, o premiado autor japonês de O Diário do meu Pai, regressa à colecção Novela Gráfica com Terra de Sonhos. Livro que recolhe um punhado de relatos da felicidade e da melancolia simples da vida, como ela é.
Histórias intimistas, marcadas pela sensibilidade de Taniguchi, impregnadas da observação do quotidiano da vida moderna, que mergulham o leitor na realidade da vida e da sua emoção humana: a morte de velhice de um cão, o nascimento de uma ninhada de gatos e a dificuldade de se separar deles, a chegada de uma jovem sobrinha que fugiu de casa, os sonhos que um alpinista abandonou em troca de uma família...

3 – Presas Fáceis
30 de Junho
Argumento e Desenhos – Miguelanxo Prado
Presas Fáceis, o mais recente trabalho de Miguelanxo Prado, um dos mais premiados autores espanhóis da actualidade, chega à colecção Novela Gráfica, quase em simultâneo com a sua publicação original em Espanha, numa edição que conta com um prefácio exclusivo do historiador e colunista do Público, Rui Tavares.
Tendo como pano de fundo a crise financeira actual, por entre as indemnizações milionárias a gestores e políticos que levaram um país à falência e o desespero dos cidadãos comuns, que sofrem as consequências da fraude bancária, uma sucessão de homicídios de banqueiros lança dois polícias numa investigação que se tornará num verdadeiro thriller. Uma muito bem urdida história de vingança que gira em torno de um tema de gritante actualidade, tanto em Portugal como em Espanha.

4  – A Dança das Andorinhas: Morrer, Partir, Regressar
07 de Julho
Argumento e Desenhos – Zeina Abirached
Primeira mulher a publicar na colecção Novela Gráfica, a libanesa Zeina Abirached, retrata em A Dança das Andorinhas, uma noite na vida das famílias que habitam um prédio na zona este de Beirute, perto da linha de demarcação, em 1984, em plena Guerra do Líbano.
Um relato sensível da realidade de uma cidade devastada pela guerra e das pessoas que tentam (sobre)viver e levar uma vida tanto quanto possível normal, contado com grande originalidade gráfica, ternura e humor por Zeina Abirached, nascida em Beirute em 1981, um ano antes da invasão do Líbano pelas tropas israelitas.

5  – A História de um Rato Mau
14 de Julho
Argumento e Desenhos – Bryan Talbot
Helen Potter, uma jovem vítima de abuso sexual, empreende uma viagem de descoberta pela Inglaterra rural, seguindo os passos da célebre autora de livros infantis, Beatrix Potter, na esperança de reencontrar a paz e a felicidade... Neste diálogo entre duas épocas e duas Potter, Helen irá descobrir a verdadeira força interior que lhe permitirá confrontar os seus demónios pessoais, numa história de heroísmo e coragem.
Um dos mais celebrados trabalhos do inglês Bryan Talbot (Grandville), galardoado com o prémio Eisner para a Melhor Novela Gráfica, aquando da sua primeira reedição, em 1996.

6 – Parque Chas
21 de Julho
Argumento – Ricardo Barreiro
Desenho – Eduardo Risso
Em cada capital do mundo, existem “Lugares Mágicos”. Locais obscuros onde, não se sabe como, forças desconhecidas exprimem a angústia e o medo. Triângulos das Bermudas do Imaginário, onde vampiros, sereias, fantasmas e personagens de BD se cruzam e reencontram, para levar o visitante para um lugar de onde não conseguirá, provavelmente, regressar… Em Buenos Aires, esse lugar é o Parque Chas.
Escrito por Ricardo Barreiro, Parque Chas, foi o primeiro grande sucesso do desenhador argentino Eduardo Risso (Batman Noir), aqui num registo gráfico diferente, que encaixa como uma luva na dimensão onírica da história.

7 – Garagem Hermética
28 de Julho
Argumento e Desenho – Moebius
O universo de bolso que o Major Grubert criou no interior do seu asteróide, contém três mundos sobrepostos, com os seus povos e civilizações. Três mundos que ignoram tudo das suas origens, mas em que alguns habitantes começam a suspeitar a verdade.
Inicialmente publicada em episódios na revista Metal Hurlant, de que Moebius foi um dos fundadores e publicado pela primeira vez no nosso país da versão original a preto e branco, a Garagem Hermética é um marco na revolução da Banda Desenhada iniciada pela revista Metal Hurlant, com Jean (Moebius) Giraud a subverter todas as convenções, ao criar uma história surreal, repleta de ideias incríveis, que eram inventadas à medida que os episódios eram publicados.

8  – Fax de Sarajevo
04 de Agosto
Argumento e Desenho – Joe Kubert
Em 1992, com o eclodir da guerra da Bósnia, o editor e agente Ervin Rustemagic, além de perder, a casa, a editora e todos os seus bens num bombardeamento, viu-se aprisionado durante mais de um ano com a sua família, na cidade sitiada de Sarajevo, sob a ameaça constante das bombas e dos snipers sérvios, tendo como único contacto com o exterior, um aparelho de fax.
Umas das pessoas com quem Rustemagic trocou faxes, foi o desenhador americano Joe Kubert (Tarzan, Sgt. Rock), que passou esta história trágica e verídica para a BD, numa novela gráfica que arrebatou os Prémios Harvey e Eisner, para além do Prémio de Angoulême para a Melhor BD Estrangeira.

9 –Valentina
11 de Agosto
Argumento e Desenhos – Guido Crepax
Embora nascida como personagem secundária noutra série de Guido Crepax, Valentina, uma sensual fotógrafa de moda vai tornar-se a mais conhecida personagem do seu autor, graças às suas aventuras surreais, em que o onirismo e o erotismo se fundem.
Este volume recolhe uma selecção das melhores aventuras de Valentina. Clássicos intemporais, marcados pelo traço sensual de Crepax e pelo seu uso inovador da planificação, com destaque para Baba Yaga, história que seria adaptada ao cinema em 1973, e para Valentina no Metro, uma criativa (e emotiva) homenagem de Crepax à Banda Desenhada e aos seus heróis e criadores.

10  –  Daytripper
18 de Agosto
Argumento e Desenhos – Fabio Moon e Gabriel Bá
Os gémeos brasileiros Fabio Moon e Gabriel Bá, chegam à colecção Novela Gráfica, com Daytripper, o seu trabalho mais premiado, feito para a editora americana Vertigo. Definida muito simplesmente pelos seus autores como “uma história sobre a vida”, cada capítulo de Daytripper incide sobre um momento específico da vida de Brás de Oliva Domingos, o filho de um escritor famoso que ser ele próprio também escritor, e sobre a forma como as escolhas que faz podem modificar a sua vida... e a sua morte.
Intimista e surpreendente, Daytripper mostra a dupla ao seu melhor nível, numa história profundamente brasileira nos cenários e nas personagens, mas que lida com questões universais.

11  –  Luna Park
25 de Agosto
Argumento –Kevin Baker
Desenhos – Danijel Zezelj
Alik Strelnikov vive na sombra de Coney Island, um mundo de passeios silenciosos e parques de diversões enferrujados, que ridicularizam os seus sonhos de se tornar um herói. Há dez anos, trocou uma existência brutal no exército Russo pela promessa de se tornar um executor da máfia de Brooklyn, mas as suas noites são atormentadas por pesadelos em que as atrocidades a que assistiu na Chechénia se misturam com visões alternativas do passado, que terminam sempre da mesma forma trágica.
Na sua estreia na BD, o popular escritor Kevin Baker, alia-se ao ilustrador croata Danijel Zezelj, para criar uma novela gráfica perturbadora, que marca o regresso de Baker a Coney Island, cenário da sua aclamada trilogia Dreamland.

12  –  Fogos e Murmúrios
01 de Setembro
Argumento – Mattotti e Kransky  
Desenhos – Lorenzo Mattotti
Um dos mais consagrados ilustradores da actualidade, o italiano Lorenzo Mattotti  tem publicado o seu trabalho em revistas como Cosmopolitan, Vogue, The New Yorker, Le Monde e a Vanity Fair, o que não o impediu de construir uma importante carreira também na BD.
Fogos e Murmúrios, as duas obras que preenchem o volume que a Colecção Novela Gráfica II lhe dedica, representam um momento de charneira na sua carreira, mais evidente em Fogos, normalmente considerado como a sua obra mais importante e um ponto de viragem do autor, que passa de um tipo de trabalho mais narrativo, para um registo mais pictórico, em que a cor é um elemento simbólico e dramático, que condiciona a própria história.

13 – O Inverno do Desenhador
08 de Setembro
Argumento e Desenhos – Paco Roca
Paco Roca, o premiado autor de Rugas, estreia-se na colecção Novela Gráfica com O Inverno do Desenhador. A história verídica de um grupo de cinco dos mais populares desenhadores da Editorial Brugera (uma editora espanhola criada em Barcelona em 1910, que se dedicou sobretudo à produção de literatura popular e tiras de BD) que, desiludidos com as condições de trabalho e com a falta de reconhecimento que tinham, decidem criar a sua própria editora de BD na Espanha nos anos 50.
A história destes pioneiros pelos direitos de autor, chega à colecção Novela gráfica, numa cuidada edição, que inclui uma história de seis páginas feita para o jornal El Pais e nunca antes recolhida em livro.

14  – A Asa Quebrada
 15 de Setembro
Argumento – António Altarriba
Desenho – Kim
Depois do premiado (Prémio de Excelência para a Melhor Banda Desenhada Estrangeira na Comic Con 2016) A Arte de Voar, Altarriba e Kim regressam à colecção Novela Gráfica, com A Asa Quebrada. Um relato em que Altarriba volta às décadas conturbadas da vida do seu país, desta vez através dos olhos da sua mãe. O destino e a vida trágica desta mulher, que viveu as maiores agruras às mãos dos homens que a rodeavam, abusada pelo seu pai e violada, esconderá um segredo e uma esperança que o seu filho, Antonio Altarriba, perseguirá neste livro poderoso e duro, que servirá de chave para ele poder finalmente fazer as pazes com o seu passado.

15 – Os Exércitos do Conquistador
 22 de Setembro
Argumento – Jean-Pierre Dionnet
Desenho – Jean-Claude Gal
Criado por Jean-Pierre Dionnet, um dos fundadores da revista Metal Hurlant, para o traço espectacularmente detalhado de Jean-Claude Gal, Os Exércitos do Conquistador foi um dos títulos mais marcantes da fase inicial da mítica revista, mostrando uma abordagem europeia da Heroic Fantasy que em nada fica atrás dos trabalhos dos melhores autores americanos do género. Este volume recolhe, na sua versão original a preto e branco, todas as colaborações de Dionnet e Gal, em Os Exércitos do Conquistador e nas duas histórias que compõem a saga de Arn, e inclui ainda A Catedral, uma história curta de Bill Mantlo, que Gal ilustrou para a revista norte-americana Epic.
Textos originalmente publicados no destacável distribuído com o jornal Público de 11 e 14/06/2016

Novela Gráfica II 1 - V de Vingança

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V DE VINGANÇA, DE ALAN MOORE ABRE SEGUNDA COLECÇÃO DEDICADA À NOVELA GRÁFICA

Novela Gráfica II
Vol 1
V de Vingança
Argumento – Alan Moore
Desenhos – David Lloyd
Quinta, 16 de Junho
Por + 9,90 €
É já na próxima quinta-feira que a Novela Gráfica regressa ao Público numa colecção, muito colecção muito pedida pelos leitores, dedicada aos maiores nomes da novela gráfica, que durante as próximas quinze semanas levará às bancas mais uma selecção de grande qualidade do que melhor que faz no campo da literatura desenhada. Uma colecção marcada pela diversidade, apostando essencialmente na divulgação de autores não publicados na colecção anterior, com a honrosa excepção de Moebius, Taniguchi e Altarriba e Kim, e que abre com chave de ouro, com a publicação de V de Vingança, um dos mais influentes trabalhos de Alan Moore, que aqui colabora com o seu compatriota David Lloyd.
Fábula distópica, ambientada numa Inglaterra governada por uma ditadura fascista, V for Vendetta (título original de V de Vingança) começou a ser publicada a preto e branco na revista britânica Warrior em 1982, e só seria completada anos mais tarde, em 1988, nos Estados Unidos, pela DC Comics, que publicou V como um mini-série em 10 volumes a cores, beneficiando da popularidade que Alan Moore tinha conseguido com o sucesso de Watchmen, a obra-prima de Moore, que a Levoir, com o apoio do Público, vai lançar directamente nas livrarias, durante este mês de Junho.
Ficção marcadamente política, na linha do 1984 de George Orwell, tendo como cenário uma Inglaterra poupada ao conflito nuclear, V de Vingança tem como personagem principal um misterioso mascarado anarquista que pretende pôr fim ao regime totalitário vigente, através de uma série de atentados à bomba. Embora a acção do livro decorra em 1998, não restam dúvidas que a fábula criada por Moore e Lloyd tinha por modelo o governo conservador de Margaret Tatcher, como os próprios reconhecem nos textos introdutórios à edição em livro.
Originalmente, Moore não pensava escrever uma distopia. Como o próprio refere: “V for Vendetta nasceu originalmente do facto de eu ter sido convidado pela revista Warrior a escrever uma série para David Lloyd ilustrar. Inicialmente, pensei numa história noir, um policial passado em 1930, mas Dave não estava especialmente interessado em ter de fazer pesquisas sobre os anos 30... Então, lembrámo-nos que talvez pudéssemos obter o mesmo efeito se passássemos a história para um futuro próximo. A partir dai, tudo evoluiu a partir de várias fontes diferentes, mas decidi jogar com o facto de em Inglaterra termos uma tradição bastante boa de vilões e sociopatas como heróis. Como o Robin Hood, Guy Fawkes e outros do género. E na nossa ficção, na BD infantil inglesa, havia tantos vilões sociopatas que tinham obtido suas próprias revistas, como havia heróis. Possivelmente mais. Os ingleses sempre tiveram grande simpatia por um bandido elegante”.
É precisamente um desses bandidos, Guy Fawkes, que em 5 de Novembro de 1605 tentou destruir à bomba o Parlamento Inglês, para assassinar o Rei James I, num atentado falhado, que ficou conhecido como o Gunpowder Plot. Um bombista mal sucedido que alguém, num típico momento de humor britânico, definiu como “o último homem a entrar no parlamento com boas intenções” que David Lloyd escolheu para emprestar as feições à máscara estilizada usada por V e que, graças ao sucesso do livro, mas sobretudo do filme produzido pelos irmãos Wachowski (Matrix) e realizado por James McTiegue, em 2006, se tornou o símbolo do movimento Anonymous.
Mais do que uma ficção política, ou um manifesto anarquista, V de Vingançaé uma poderosa e assustadora história sobre a perda da liberdade e da identidade num mundo totalitário. Um livro imprescindível, do maior escritor de BD de língua inglesa, que está finalmente disponível em português.
Texto publicado originalmente no jornal Público de 10/06/2016

O Segredo de Coimbra em livro e exposição a partir de amanhã

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Uma das Bandas Desenhadas que me é mais cara, por várias razões, volta a estar disponível em Portugal, numa reedição da G Floy para a Universidade de Coimbra. Falo do Segredo de Coimbra, de Etienne Schréder, que será lançado amanhã, no Museu da Ciência, em Coimbra, onde está também uma exposição com os  originais do livro, que se manterá até 12 de Outubro.
Deixo-vos com as informações sobre a exposição e com o texto que escrevi com o João Ramalho para a nova edição do Segredo... que inclui Metamorfoses, uma história curta que escrevemos para os desenhos de Schréder e que nunca tinha sido previamente publicada em álbum.

Sessão de apresentação do livro no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
22 de Junho, às 15h00, por João Ramalho Santos João Miguel Lameiras e José de Freitas (editor) com a presença do autor Étienne Schréder.
Inauguração da exposição O Segredo de Coimbra, às 16h00

Museu da Ciência
Largo Marquês de Pombal

3000-272 Coimbra

DAS ANAMORFOSES ÀS METAMORFOSES

Era uma vez uma coleção rara, preciosa e fascinante de belíssimos objetos científicos, tesouro inestimável escondido nos labirintos de uma das mais antigas universidades europeias...
Era uma vez um Gabinete de instrumentos do século XVIII, cheio de anamorfoses... Era uma vez um belga, Étienne Schréder, que juntou todos estes ingredientes em O Segredo de Coimbra, uma história de banda desenhada que, para além de uma bela homenagem ao espólio do Gabinete de Física (hoje integrado no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra), é o mais verdadeiro retrato, não só de Coimbra, como da Universidade em geral, e da própria condição portuguesa; feita de grandiosidade, potencial e ilusões.
Mas, de início, nada indicava que iria ser assim, e esta é (também) uma história de acasos e coincidências. Que começa com Laurent Busine, comissário da exposição Os Mecanismos do Génio realizada em Charleroi (Bélgica) no âmbito da Europália, dedicada a Portugal em 1991; uma mostra que colocaria em primeiro plano a coleção de instrumentos do Gabinete de Física da Universidade
de Coimbra. Preocupado com a necessidade de as legendas que acompanhariam cada instrumento terem de vir em três línguas (francês, flamengo e inglês), Busine decidiu eliminar de todo o uso de textos explicativos, propondo, ao invés, pequenas bandas desenhadas que “explicariam” o funcionamento de cada instrumento, recorrendo a imagens. Assim, a exposição apenas utilizou a linguagem universal da BD, com os textos a surgirem só no catálogo.
Para realizar os desenhos, por indicação do consagrado autor belga François Schuiten, foi escolhido Étienne Schréder, que, sem nada conhecer de Coimbra (ou de Portugal), se deslocou ao Museu para recolher documentação. E a riqueza do espólio rapidamente se impôs. Dezenas de instrumentos, centenas de esboços que inspiraram Schréder a realizar aquela que seria a sua primeira obra de grande fôlego em banda desenhada. Editado na Bélgica para acompanhar a exposição - e considerado por muitos visitantes como um relato histórico, e não ficção...
O Segredo de Coimbra conheceu finalmente edição portuguesa em 1997, por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian. A história, à superfície simples, tem, no entanto, conotações muito profundas sobre o modo como a ilusão de progresso nos pode aprisionar, e como a ciência tem um potencial simultaneamente libertador e ilusionista, neste caso na vida do jovem Príncipe Dom Rafael, e do domínio que tem (ou pensa ter) sobre o seu reino. De resto, o fulcro da história surge, simbolicamente, nas anamorfoses que encantaram Schréder na sua primeira visita a Coimbra, e que se tornaram num elemento fundamental no livro, mostrando como a perceção que temos de uma realidade se pode modificar, neste caso quando um desenho aparentemente desconexo se revela após reflexão numa superfície espelhada curva.
Anos mais tarde, a exposição Coimbra na Banda Desenhada, organizada pela Associação Projetos Sequenciais, e comissariada por João Paiva Boléo e pelos signatários, no âmbito de Coimbra 2003, Capital Nacional da Cultura, trouxe Étienne Schréder de volta a Coimbra, e aos instrumentos que tinha incluído na sua história. Tratando-se da mais importante obra de BD tendo como cenário e personagem a cidade de Coimbra, o livro de Étienne Schréder (entretanto reeditado) teve natural e merecido destaque, com os seus desenhos e pranchas originais colocados em diálogo com os locais e os objetos que motivaram a fábula que o Segredo de Coimbra conta. Mas o retorno de Schréder a Coimbra em 2003 para a inauguração da exposição e para a reedição do livro não significou o fim da história. Conforme o autor refere, na entrevista que lhe fizemos para o catálogo da Exposição de Coimbra 2003: “Se há algo que lamento, é que O segredo de Coimbra tenha sido o meu primeiro álbum. Gostaria de poder voltar a fazê-lo hoje, e, na verdade, penso muitas vezes num álbum que se poderia intitular Regresso a Coimbra...”
Embora esse álbum nunca se tenha concretizado enquanto tal, Schréder voltaria ainda assim a desenhar a nossa cidade e a sua Universidade, com base numa ideia e texto nossos.
Metamorfoses, a história que encerra este livro, consolida esse regresso a Coimbra, aos seus segredos e anamorfoses. Uma história pensada para fazer parte de um projeto mais ambicioso, uma História de Coimbra em Banda Desenhada, que revisitaria diferentes momentos-chave na vida da cidade, projeto que acabou por não se concretizar. Mas Metamorfoses já tinha sido iniciada, e, devido a mais uma série de estranhas coincidências, acabaria por ser publicada em Abril de 2004, no nº 4 da revista Rua Larga, editada pela Universidade de Coimbra, e de cujo conselho editorial um de nós fazia parte na altura.
Inicialmente, a história foi pensada enquanto reflexão sobre a Universidade em fluxo e sobre os permanentes diálogos passado-presente e tradição-modernidade, essenciais para entender Coimbra. O pretexto seria a destruição da Alta, com a substituição de antigos colégios universitários por estruturas modernas, mas assépticas, levada a cabo pelo regime de Salazar ao longo das décadas de 1940-1960.
No entanto, Metamorfoses acabou por se transformar no efetivo (e afetivo) regresso de Schréder a Coimbra, enquanto cidade de papel e personagem de ficção. Um porto de abrigo para onde convergem personagens de outras histórias, como o Príncipe Dom Rafael, que (re)encontramos no interior da Biblioteca Joanina. Um marco da cidade que, por falta de tempo, Schréder não tinha podido visitar da primeira vez (substituíra-a, iconograficamente, pela biblioteca do castelo de Kromeriz, na República Checa). Igualmente presente está a Ponte Rainha Santa Isabel (na altura designada Ponte Europa, e cuja construção se encontrava parada), que, com os seus tabuleiros desalinhados, era então a verdadeira materialização da ponte-enquanto-ilusão imaginada por Schréder mais de uma década antes, nas páginas do Segredo de Coimbra.
Fazia, pois, todo o sentido que as duas histórias que Étienne Schréder desenhou sobre a nossa cidade se encontrassem finalmente nas páginas desta nova edição do Segredo de Coimbra. Um livro que vai possibilitar às centenas de milhares de visitantes que todos os anos descobrem o Património Mundial desta cidade e da sua Universidade, vislumbrar o segredo desta outra Coimbra. Uma cidade (também) de papel, a que o desenho de Étienne Schréder deu, e continua a dar, vida.

João Miguel Lameiras e João Ramalho Santos

Novela Gráfica II 2 - Terra de Sonhos

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TANIGUCHI REGRESSA PARA LEVAR O LEITOR À TERRA DE SONHOS

Novela Gráfica II- Vol 2
Terra de Sonhos
Argumento e Desenhos – Jiro Taniguchi
Quinta, 23 de Junho
Por + 9,90 €
Depois da estreia nesta colecção de Alan Moore e David Lloyd, inaugurando esta segunda série com um clássico incontornável, como é V de Vingança, na próxima quinta-feira chega a vez do japonês Jiro Taniguchi regressar à colecção Novela Gráfica. Depois do sucesso de O Diário do meu Pai, premiado no último Festival AmadoraBD com o Galardão destinado aos Clássicos da Nona Arte é com naturalidade que Taniguchi regressa nesta série II com Terra de Sonhos, livro que recolhe um punhado de histórias curtas publicadas originalmente entre 1991 e 1992, na revista japonesa Big Comic.

Tal como sucedia com O Diário do Meu Pai, também os cinco contos reunidos neste Terra de Sonhos têm quase todos laivos autobiográficos. Dimensão bem evidente nos dois primeiros contos, centrados nos momentos finais de Tam, o cão do autor e na gata persa que o irá substituir na casa e no coração dos seus donos.
O próprio Taniguchi no posfácio do livro não esconde e até aclara essa dimensão autobiográfica, contando como tudo se passou: “o nosso cão morreu há dois anos. Já tinha quinze anos. Ao assistir ao envelhecimento e depois à morte desse velho cão, uma pequena célula no fundo de mim, daquelas que controlam a minha necessidade de contar histórias, começou a mostrar alguma actividade. Comecei a sentir uma vontade, que se transformou numa necessidade, de contar e de desenhar a história da vida e da morte desse cão. Mas na verdade, parecia-me que seria bastante difícil conseguir publicar uma história destas, uma história banal da vida quotidiana, no circuito do manga comercial.
Foi então que fui contactado por um velho conhecido, um editor com quem tinha trabalhado numa revista para a juventude e que estava agora na Big Comics e que me perguntou se não queria fazer uma história curta para eles.
Lembro-me perfeitamente desse dia, 29 de Novembro de 1990. O nosso cão tinha morrido há pouco menos de um mês, chovia, fazia frio. Encontramo-nos num café em Jimbochô. Enquanto tomávamos um café, falei-lhe da história do meu cão. Ele concordou imediatamente em publicá-la (…) e disse-me: “acho que esse é exactamente o tipo de história que faz falta no manga actual”. Para mim, foi uma reacção muito encorajante.
Foi assim que nasceu Ter um Cão e que o meu desejo se realizou. No início, pensei fazer uma história maior, que teria coberto toda a vida do nosso cão, desde a sua chegada a nossa casa, ainda cachorro, até à sua morte; mas ficaria demasiado grande para o formato da revista. Então, decidi limitar a história a um único ano, o ano da sua morte.
Creio que a história ganhou em força e ritmo, e a imagem também ganhou uma certa tensão. Estou muito satisfeito com o resultado. Ainda assim, acho que fazem falta mais algumas imagens de serenidade e de calma. Seja como for, permitiu-me tomar consciência da dificuldade em transformar uma experiência pessoal que me marcou realmente, numa história.”
O excelente acolhimento desta história, que ganhou o Prémio Especial do Júri da Editora Shôgakukan, mostrou a Taniguchi que havia público para um tipo de histórias mais contemplativas, mais centradas nas vivências do quotidiano, como são a maioria das histórias deste livro e outros títulos importantes do autor, como O Homem que Caminha.
A excepção a este registo mais centrado no quotidiano é A Terra Prometida, inspirada na experiência real do alpinista Kawamura Keisuke e que permitiu a Taniguchi regressar a um género muito presente ao longo da sua carreira, as histórias de montanha, de que Le Sommet des Dieux é o expoente máximo.
Seja relatando com sensibilidade e poesia a relação de uma família com os seus animais de estimação, ou a luta entre o homem e a natureza hostil, Taniguchi confirma neste Terra de Sonhos porque, mais do que um grande autor japonês, é um dos nomes maiores da BD mundial.
Texto publicado originalmente no jornal Público de 17/06/2016

Um Punhado de Imagens do lançamento e inauguração de O Segredo de Coimbra

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Faz hoje precisamente uma semana que inaugurou a exposição O Segredo de Coimbra, coincidindo com o lançamento oficial da terceira edição do livro de Etienne Schréder. Esta nova edição que inclui ainda dois textos introdutórios e a história Metamorfoses, escrita por João Ramalho Santos e por este vosso criado, foi produzida pela G Floy para a Universidade de Coimbra, desta vez também com edições em francês e inglês, além do português, de modo a chegar mais facilmente ao público internacional que diariamente visita a Universidade de Coimbra.
O lançamento do livro decorreu no Auditório do Museu da Ciência, enquanto que a Exposição, em que as peças do Gabinete de Física que aparecem no livro, estão em diálogo com as pranchas originais do mesmo, teve lugar no átrio que dá acesso ao Gabinete de Física, no edifício exactamente em frente do do Museu da Ciência.
Embora a cenografia fosse bastante espartana, comparada com a exposição de 2003, no âmbito da Capital da Cultura, permitia ainda assim apreciar em pormenor os originais e esboços de Schréder, que já não eram exposto há mais de 10 anos. Depois da exposição, seguiu-se uma sessão de autógrafos, que nem o começo do jogo Portugal-Hungria interrompeu.
Para um grupo (muito) mais restrito, o dia terminou em minha casa, onde o Schréder veio jantar e, depois de um excelente caril feito pelo José Hartvig de Freitas, que consegue ser ainda melhor cozinheiro do que editor e de uma interessante conversa ( em que ficámos a conhecer um pouco dos bastidores da série Blake e Mortimer, em que Etienne Schréder participa activamente desde  o álbum O Estranho Encontro, em que auxiliou Ted Benoit) a sessão de autógrafos continuou.
Deixo-vos com o texto/entrevista de Lídia Pereira, publicado no Diário As Beiras, no dia do lançamento, com o vídeo da televisão da UC sobre a exposição e com um punhado de imagens do dia que, com excepção das duas últimas, foram "roubadas" do Facebook do Museu da Ciência.



                          O Reitor, João Gabriel Silva durante o lançamento
         Etienne Schréder a contar como nasceu o Segredo de Coimbra
                      Eu, certamente a dizer coisas interessantes...
        Schréder e o Reitor a saírem pela porta secreta do Gabinete de Física
                                    A exposição
                               Outro pormenor da Exposição
                               Schréder em plena sessão de autógrafos
                                         Sessão de autógrafos
                      Mesmo depois do jantar, os autógrafos continuaram...
                   O Akira também não resistiu ao caril do José de Freitas

Novela Gráfica II 3 - Presas Fáceis

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AS VÍTIMAS DO SISTEMA BANCÁRIO SÃO PRESAS FÁCEIS 
NO NOVO LIVRO DE MIGUELANXO PRADO

Novela Gráfica II - Vol 3
Presas Fáceis
Argumento e Desenhos – Miguelanxo Prado
Quinta, 30 de Junho
Por + 9,90 €
Na próxima quinta-feira, chega a vez desta série II da colecção Novela Gráfica abrir as suas portas a um nome bem conhecido dos leitores portugueses, Miguelanxo Prado. Nascido em 1958, na Galiza, Miguelanxo Prado, foi estudante de arquitectura, pintor de formação, e tornou-se autor de BD por vocação e convicção. A sua estreia na arte sequencial deu-se em 1979, no fanzine galego Xofre e, a partir daí seguiu-se um percurso de sucesso, tanto na BD como na animação, marcado por prémios como o de Melhor Livro no Festival de Angoulême, para Traço de Giz, ou o Prémio Nacional del Comic atribuído em Espanha à sua anterior novela gráfica, Ardalén, para além de colaborações com os escritores Laura Esquivel e Neil Gaiman e o cineasta Steven Spielberg.
Em Portugal, onde é presença frequente nos Festivais de BD, a sua obra tem sido editada de forma consistente, primeiro pela Meribérica/Liber e depois pelas Edições Asa, calhando agora à Levoir e ao Público o privilégio de dar a estampa Presas Fáceis, o seu mais recente livro, acabado de publicar em Espanha no passado mês de Maio.
Neste Presas Fáceis, o autor galego regressa ao registo policial, género de que é leitor fiel e que já tinha abordado, de forma paródica em O Manancial da Noite, livro escrito por Fernando Luna e protagonizado por Manuel Montano, um detective privado formado pela escola de detectives de Lisboa, a que Prado deu as feições de Bogart.
Mas desta vez o humor está (quase) ausente e, se quisermos estabelecer um paralelo entre este livro e anteriores trabalhos de Prado - até pela ausência da cor, de que Miguelanxo Prado é um mestre incontestado - o melhor talvez seja recuarmos a Stratos, um dos seus primeiros trabalhos de fôlego, publicado originalmente em meados da década de 80, onde a ficção científica é utilizada como um pretexto para analisar os defeitos das sociedades actuais, em que aspectos como o crescente endividamento dos cidadãos junto dos bancos e o espectro do desemprego crescente são abordados da forma crua. Um álbum que, com todo o seu humor (muito) negro, é uma critica feroz, mas que não perdeu a menor actualidade, à desumanização das sociedades industrializadas, em que os princípios são esquecidos pela miragem do lucro fácil e os arrivistas detêm o poder.
Como o próprio Prado revelou numa entrevista, na origem de Presas Fáceis, está uma notícia ouvida na rádio: “Tinham descoberto os corpos de um casal de idosos em sua casa. Tinham-se suicidado devido ao desespero de terem perdido todas as suas poupanças, depois de alguém no banco as ter convertido, de forma fraudulenta, em acções preferenciais e porque enfrentavam uma acção de despejo, depois de terem avalisado com a sua casa a hipoteca de um dos seus filhos, que deixou de a poder pagar quando ficou desempregado.
Todos os elementos desta história são tristemente familiares. Toda a gente conhece, quase de certeza, casos semelhantes, ainda que contornos menos trágicos. A realidade não permite uma leitura optimista. (…) Basta fazer contas para ver que, com a indemnização de 18 milhões, que recebeu um ex-presidente de um Banco depois de o levar à falência, dava para pagar as pensões durante o resto da sua vida a 100 reformados médios. É indefensável e inadmissível que esta gente continue a usufruir desses valores milionários, enquanto o Banco de Espanha e a Comissão Nacional do Mercado de Valores que deviam assegurar que isso não acontecesse, desviam o olhar e façam de conta que não se passa nada.”
É essa realidade facilmente transposta para o nosso país (basta pensar nos casos BPN e BES…), que serve de pano de fundo ao notável último livro de Prado, que chega às bancas na próxima quinta-feira, numa edição enriquecida por um excelente prefácio do historiador e ex-eurodeputado Rui Tavares. 
Texto publicado originalmente no jornal Público de 24/06/2016

Novela Gráfica II 4 - A Dança das Andorinhas

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No caso deste volume, para além do editorial, tive a oportunidade de fazer uma pequena entrevista via Skype, com a Zeina Abirached, que estava em Berlim, para o coluna que o jornal Púbico dispensou no Ípsilon, para divulgação da desta série II das Novelas Gráficas. Tanto o texto do Público, como a entrevista podem ser lidos simplesmente clickando nas imagens. Quanto ao meu editorial está em texto aqui em baixo.

UMA NOITE EM BEIRUTE


Durante a década de 60 do século XX, Beirute, a capital do Líbano, era conhecida como a “Paris do Médio Oriente”. Mas essa foi uma realidade que Zeina Abirached, a autora da história que poderão ler nas próximas páginas, já não conheceu. O país que deixou de ser uma colónia francesa em 1945, conseguiu manter durante algumas décadas um delicado equilíbrio entre muçulmanos (xiitas e sunitas) e cristãos (maronitas, ortodoxos e arménios católicos e protestantes). Um equilíbrio que o exílio das tropas palestinianas da OLP no sul do Líbano, na sequência do “Setembro Negro”, veio destruir, dando origem a uma primeira guerra civil que durou entre 1975 e 1990 e provocou mais de cento e cinquenta mil mortos. Quando Zeina nasceu, em 1981, Beirute, a sua cidade natal, estava dividida ao meio, entre as tropas muçulmanas, apoiadas pela Síria e as milícias cristãs, com o apoio de Israel, que no ano seguinte, invadiria oficialmente o Líbano, no âmbito da “Operação Paz na Galileia”, cercando e bombardeando a cidade de Beirute, onde rapidamente deixou de haver electricidade, ou água canalizada.
Como a própria refere: “até aos 10 anos, a guerra foi a única realidade que conheci.” O muro que cortava a sua rua, na fronteira da zona de demarcação, mantinha toda a vizinhança “amputada” do resto da cidade. O muro não só limitava a sua liberdade de movimentos, mas era sobretudo uma lembrança constante de que viviam numa cidade em guerra. Uma barreira física, mas sobretudo psicológica, que perdurou muito para além da sua destruição. Abirached que, quando o muro foi demolido, descobriu surpreendida, que a rua do outro lado do muro tinha o mesmo nome que a sua, conta que, anos depois do fim da guerra, quando já tinha 20 ou 21 anos, se perdeu no meio da cidade, sem saber onde estava. Na verdade, estava muito perto de casa, mas numa área que antes lhe era inacessível, por causa do muro que cortava a sua rua. O muro já lá não estava, mas ela continuava a movimentar-se na cidade como se ele existisse. Nem ela, nem nenhum dos seus vizinhos se recordava com precisão quando é que o muro foi deitado a baixo.
Num país mais interessado em esquecer do que recordar os anos de guerra civil, onde não existe nenhum monumento às vítimas da guerra e o conflito não é ensinado nas escolas, por não existir consenso quanto à versão oficial a transmitir aos alunos, a Banda Desenhada foi o meio escolhido por Abirached para manter (e ao mesmo tempo exorcizar) essas memórias, prestando tributo às vitimas inocentes que a cidade, ao apagar o seu passado, quer deixar esquecer.
Em 2004 Abirached trocaria Beirute por Paris, onde estudou Artes Decorativas e trabalhou como designer, antes de se dedicar à BD. Uma escolha natural, tendo em conta a sua educação francófona, onde a Banda Desenhada estava bem presente (em A Dança das Andorinhas podemos ver um álbum do Tintin, na mesa de cabeceira do pai de Zeina), mas que lhe valeu inevitáveis comparações com Marjane Satrapi, a autora de Persepolis.
O facto de ambas terem nascido no Médio Oriente, terem vivido situações de guerra na sua infância e terem optado pela linguagem da BD para darem a conhecer a sua história, permite estabelecer um paralelo entre Marjane Satrapi e Zeina Abirached. E os pontos de contacto não se ficam por aí, pois ambas também se aventuraram na animação (Satrapi com Persepolis e Abirached com Le Mouton, uma curta metragem sobre os seus cabelos encaracolados) e escolheram contar a histórias de parentes seus ligados à música (um violinista, em Poulet Aux Prunes, de Satrapi, e um pianista, em Le Piano Oriental, de Abirached). Mas se é mais ou menos óbvio que o grande sucesso de Persepolis tornou mais fácil para Abirached encontrar uma editora disposta a publicar o seu trabalho, a verdade é que estamos perante duas autores com uma voz própria e bem distinta, como distintos são Persepolis e A Dança das Andorinhas.

A história de Marjane Satrapi tem um âmbito mais alargado, traçando o destino do Irão, desde a queda do Xá e o triunfo da Revolução Iraniana, no início dos anos 80 até meados da década de 90, quando Satrapi regressa ao Irão, depois de um exílio na Austria, mas, paradoxalmente, apesar dessa perspectiva mais global, a presença da história pessoal e das vivências da autora, acabam por se sobrepor a tudo o resto. Já Zeina Abirached limita o âmbito da sua história à sua rua, cortada ao meio pela zona de demarcação, e ao prédio onde vivia, com a família e com os restantes habitantes do nº 38 da rua Youssef Semaani, reduzindo a sua presença na história a um papel mais passivo de mera espectadora (normal numa criança de três ou quatro anos).
Também em termos gráficos, as diferenças são óbvias, apesar de ambas trabalharem o preto e branco. Satrapi nunca se conseguiu libertar completamente do estilo do seu mestre David B., enquanto Abirached utiliza a sua experiência do design para criar um estilo sintético, altamente estilizado, em que a influência da Arte bizantina se cruza com os teatros de sombras chinesas, aspecto que a representação bidimensional e a repetição hipnótica dos cenários, acentua. Mas o ponto alto do trabalho de Zeina Abirached é o seu sentido narrativo e de planificação, que lhe permite controlar com mestria o tempo da narrativa, através de soluções tão simples como inesperadas.

O pequeno mundo a que Zeina se viu confinada nesta fase do cerco de Beirute, já tinha sido abordado nos seus trabalhos anteriores, Beyrouth Catharsis - o seu primeiro livro, desenhado no Líbano em 2002, quando Zeina estudava ainda na Academia de Belas Artes de Beirute, mas só publicado em livro em França em 2006 - cujo título fala por si, e também no seu segundo livro, desse mesmo ano. Um pequeno livro-objecto de formato italiano, chamado precisamente 38, rue Youssef Semanni, em que cada tira corresponde a um andar e aos seus habitantes, que tanto pode ser lido na horizontal, como na vertical, numa primeira demonstração da capacidade da autora de jogar e subverter as características da narrativa na Banda Desenhada, que será desenvolvido em O Jogo das Andorinhas.
O ponto de partida para o seu primeiro trabalho de fôlego, foi a descoberta de um vídeo na Internet. Mas deixemos que seja a própria Zeina a contar como tudo se passou: “Em Outubro de 2006, no site na Internet do Instituto Nacional do Audiovisual (INA) encontrei uma reportagem gravada em Beirute em 1984.
Os jornalistas entrevistavam os habitantes de uma rua situada na proximidade da linha de demarcação, que cortava cidade em duas. Uma mulher, bloqueada pelos bombardeamentos, na entrada do seu apartamento, disse uma frase que me perturbou: “Sabem, acho que, mesmo assim, estamos, talvez, mais ou menos em segurança, aqui”. Essa mulher era a minha avó”.
O título do livro foi Zeina buscá-lo a um grafitti em francês num muro de uma zona de Beirute abandonada durante a guerra, assinado Florian e que, de acordo, com o que Ziena conseguiu descobrir, teria sido feito nos anos 90 por um bailarino belga de passagem por Beirute.
O resultado é uma obra fascinante, de grande ternura e humanismo, que centrando-se numa noite de bombardeamentos no auge da guerra, em 1984, retrata com grande sensibilidade e humor, a dicotomia entre a realidade exterior hostil de uma cidade destruída pela guerra e a intimidade protectora do espaço familiar. Mesmo que esse espaço esteja confinado ao átrio de um apartamento fustigado pelas bombas.

Novela Gráfica II 5 - A História de um Rato Mau

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COM BRYAN TALBOT NO RASTO DE BEATRIX POTTER

Novela Gráfica II  – Vol. 5 
A História de um Rato Mau
Argumento e Desenhos –Bryan Talbot
Quinta, 14 de Julho
Por + 9,90€
No seu quinto volume, esta segunda série da colecção Novela Gráfica apresenta aos leitores portugueses, um dos nomes maiores da BD de língua inglesa, o inglês Bryan Talbot, que em A História do Rato Mau, nos apresenta Helen Potter, uma jovem vítima de abuso sexual, que empreende uma viagem de descoberta pela Inglaterra rural, seguindo os passos da célebre autora de livros infantis, Beatrix Potter, na esperança de exorcizar os seus fantasmas e reencontrar a paz.
Bryan Talbot nasceu em Inglaterra em 1952, tendo trabalhado nos comics underground britânicos e na revista 2000 AD, para onde desenhou Nemesis, the Warlock e Judge Dredd, antes de seguir o caminho de diversos compatriotas seus, como Alan Moore, Brian Bolland, Neil Gaiman, Dave McKean e Garth Ennis e começar a trabalhar para o mercado americano e para a DC Comics, sobretudo na linha Vertigo, para onde ilustrou as séries Hellblazer, Fables e o Sandman, de Neil Gaiman. Além de muito trabalho como desenhador para a DC, Talbot tem também bastantes trabalhos a solo, com destaque para as séries The Adventures Of Luther Arkwright e Grandville, mas A História de um Rato Mau, que os leitores portugueses poderão descobrir a partir da próxima quinta-feira, é dos seus trabalhos mais importantes.
Um elemento bem presente na obra de Talbot, é a homenagem aos grandes nomes da ilustração infantil. E, tal como sucede em Grandville com o francês Jean Ignace Isidore Gerard, que assinava os seus trabalhos como J. J. Grandville e que foi dos primeiros ilustradores a usar animais antropomorfizados como personagens. A História de um Rato Maué também uma bela homenagem à vida e obra de Beatrix Potter, uma das mais importantes escritoras e ilustradoras infantis britânicas, criadora de Pedrito Coellho (Peter Rabitt).
Inicialmente, Talbot queria apenas contar uma história passada no Lake District, uma região no norte de Inglaterra, onde passava férias na adolescência. A figura da escritora e ilustradora Beatrix Potter que aí viveu e ambientou a maioria dos seus livros, pareceu-lhe uma boa porta de entrada. Do mesmo modo, uma adolescente tímida que tinha visto a pedir esmola na estação de Metro de Tottenham Court Road, acabou por inspirar e servir de modelo para Helen, a personagem central do livro que, tal como a própria Beatrix Potter e o filho de Talbot, tem por companheiro um rato de estimação (que, neste caso, até é uma ratazana…). Depois de encontrada uma justificação para Helen fugir de casa e se tornar um sem-abrigo (o abuso por parte do pai), todos estes elementos díspares se encaixaram perfeitamente, numa história coerente e de grande força dramática.
Como o próprio Talbot refere no posfácio do livro: “por vezes, as histórias realmente ganham vida própria. Em vez de criar uma banda desenhada sobre o Lake District, acabei por escrever e desenhar uma história sobre abuso sexual infantil. E fiquei contente por isso ter acontecido. Este foi o livro em que estive envolvido que mais valeu a pena e o melhor – já para não dizer o mais difícil – trabalho de banda desenhada que já fiz.”
Publicado originalmente no jornal Público de 08/07/2016

Novela Gráfica II 6 - A Garagem Hermética

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Este é um daqueles casos em que o espaço disponibilizado pelo jornal Público se revela insuficiente para falar devidamente do livro. Felizmente, tive também a coluna semanal no Ipsílon que saiu com o jornal de hoje, para complementar o texto com uma série de citações de Moebius sobre a sua obra de culto, que poderão ler clicando na respectiva imagem.

COM MOEBIUS, À DESCOBERTA DA GARAGEM HERMÉTICA

Novela Gráfica II – Vol. 6 
A Garagem Hermética
Argumento e Desenhos – Moebius
Quinta, 21 de Abril
Por + 9,90€
Depois de, num dos volumes de maior sucesso da primeira série da colecção Novela Gráfica, termos tido a oportunidade de apreciar o génio de Moebius em colaboração com Alejandro Jodorowsky, esta segunda série recupera A Garagem Hermética de Jerry Cornelius, um clássico de Moebius enquanto autor completo e da revista Metal Hurlant que é finalmente editado em Portugal a preto e branco e no formato original.
Figura incontornável da BD mundial, tanto como Moebius, ou como Gir, Jean Giraud foi um dos mais fabulosos desenhadores do século XX, um talento multifacetado, capaz de criar universos com simples imagens. Com uma carreira dividida entre a aventura clássica, de que o Western Tenente Blueberry, que criou com Jean-Michel Charlieré um dos expoentes máximos, e as  fabulosas experiências visuais em que a coerência narrativa acabava por ser menos importante do que a liberdade gráfica e criativa, Moebius procurou sempre utilizar o desenho para criar universos e é precisamente isso que acontece com A Garagem Hermética, série que traduz como poucas a filosofia inerente à revista Metal Hurlant.

Logo em 1975, no editorial do primeiro número da revista que fundou com Jean-Pierre Dionnet, Philippe Druillet e Bernard Farkas, Moebius declara que: “Não há qualquer razão para que uma história seja como uma casa, com uma porta para entrar, janelas para  ver a paisagem e uma chaminé para o fumo. Pode muito bem imaginar-se uma história com a forma de um elefante, de um campo de trigo, ou de um fogo de artifício”.
Esse manifesto da revolução da BD, tem inteira tradução em A Garagem Hermética, uma história de duas páginas, feita sem qualquer intenção de continuação, mas que se transformaria numa série quando Dionnet a publica na Metal Hurlant nº 6 e pede a Moebius outro capítulo para o número seguinte. Com os capítulos a serem inventados à medida que Moebius os desenhava, sem qualquer preocupação de coerência com os episódios anteriores, ou com os episódios seguintes, a história foi crescendo de forma orgânica, tendo com fio condutor a presença do Major Grubert, ou Major Fatal. Como o próprio autor refere: “Desenhava e sistematicamente escrevia continua. Era um acto surrealista. Dei-me conta que, para lá das aparências, o meu espirito funcionava com uma coerência muito particular. Aprendi a ter confiança naquela parte de mim à qual não tenho um verdadeiro e fácil acesso, mas que organiza as coisas de um modo mágico".

O resultado é uma obra surpreendentemente coerente, que sintetiza na perfeição o génio de Moebius, mostrando os diversos caminhos que o seu traço irá explorar. Um clássico incontornável, finalmente disponível em Portugal numa edição que lhe faz inteira justiça.
Publicado originalmente no jornal Público de 15/07/2016 e na revista Ipsílon de 22/07/2016

Novela Gráfica II 7 - Parque Chas

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À DESCOBERTA DO LADO FANTÁSTICO DE BUENOS AIRES

Novela Gráfica II – Vol. 7 
Parque Chas
Argumento –  Ricardo Barreiro
Desenhos – Eduardo Risso
Quinta, 28 de Julho
Por + 9,90€
Depois de Mort Cinder na primeira série, a colecção Novela Gráfica dá a descobrir aos leitores portugueses mais um clássico da Banda Desenhada argentina: Parque Chas, de Ricardo Barreiro e Eduardo Risso. 
Obra que lançou Eduardo Risso, fabuloso desenhador que os leitores bem conhecem de Batman: Noir, Parque Chasé uma viagem ao lado fantástico da cidade de Buenos Aires, através de um dos seus Bairros mais emblemáticos, que aqui se revela um verdadeiro triângulo das Bermudas do Imaginário, onde vampiros, sereias, fantasmas e personagens de BD se cruzam e reencontram, para levar o visitante para um lugar obscuro e perigoso onde as memórias da História se fundem com a literatura e a BD e a ameaça do desconhecido é constante.
A escolha por parte de Ricardo Barreiro do bairro de Parque Chas não é inocente, pois a própria geometria do Bairro, com uma série de ruas circulares com nome de cidades europeias, dá ao visitante a sensação de que se encontra num verdadeiro labirinto. Além disso, Parque Chas é um bairro que deixou de o ser, pois em 1976, durante a ditadura militar, o Intendente Osvaldo Cacciatore levou a cabo uma reorganização administrativa da cidade de Buenos Aires, em que a zona de Parque Chas perdeu o estatuto de Bairro, que só seria reposto em 2005.
Ou seja, o Parque Chas foi mais uma memória apagada pela ditadura argentina que a BD vai recuperar e a pré-publicação da história em 1987 na revista Fierro, publicação dirigida por Juan Sasturain, que aproveitou a liberdade concedida pelo fim da ditadura militar para dar espaço e inteira liberdade criativa, aos excelentes desenhadores e argumentistas argentinos, surge como natural, pois Sasturain, além de editor e teórico da BD, é o argumentista de Perramus, uma BD desenhada por Alberto Breccia que lida precisamente com a memória dos anos de chumbo da ditadura, da mesma forma metafórica que Parque Chas o faz.
Falecido em 1999, com apenas 49 anos, Ricardo Barreiro foi um dos mais produtivos escritores argentinos de BD, com uma carreira dividida entre a Argentina e a Europa, onde se exilou durante a ditadura. Em Parque Chas, Barreiro retoma dois temas, bastante presentes na sua obra: a cidade como uma entidade viva e misteriosa, já abordada em Ciudad, com Juan Gimenez; e as homenagens à obra de Hector G. Oesterheld, o argumentista de Mort Cinder e, principalmente de El Eternauta, livro que descreve uma invasão de Buenos Aires por extraterrestres, que a segunda parte de Parque Chas retoma de forma explicita e de que Barreiro escreverá uma das continuações.
Mas, para além da história, Parque Chas vale (e muito) pelo desenho de Eduardo Risso, que aqui troca o preto e branco de alto contraste que se tornaria a sua imagem de marca pelos cinzentos da grafite, num trabalho extraordinariamente detalhado e visualmente espectacular, que acentua a dimensão inquietante de um espaço mítico, da não menos mítica cidade de Buenos Aires.
Publicado originalmente no jornal Público de 22/07/2016

Evocando Jack Kirby, a propósito do Quarto Mundo

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 Na altura em que escrevi o editorial para o volume da Colecção Super-Heróis DC dedicado ao Quarto Mundo, de Jack Kirby, fiquei com a sensação de que muito tinha ficado ainda por dizer sobre a obra mais pessoal do King Kirby. mas as limitações de espaço (e as alterações impostas pela DC ao mesmo texto original), acabaram por condicionar fortemente o texto publicado no livro. Felizmente, a revista Bang!, como de costume, deu-me carta branca para escrever o que quisesse, sem limites de espaço, ou censura e o resultado é o texto que podem ler a seguir, publicado no nº 20 da revista Bang!, publicação gratuita produzida pela Saída de Emergência que já se encontra em distribuição pelas lojas FNAC de todo o país, desde finais de Julho. Obrigado ao Luís Corte-Real e à Safaa Dib por acolherem os meus textos, sem qualquer condicionante, ou limitação. 


EVOCANDO JACK KIRBY 
NO 45º ANIVERSÁRIO DO QUARTO MUNDO

No preciso mês em que se completam 45 anos sobre a publicação do nº 1 da revista New Gods, os leitores portugueses tiveram finalmente a oportunidade de aflorar esse complexo universo, graças à publicação pela Levoir no final de Março, de um volume antológico, que recolhe um punhado de histórias do Quarto Mundo de Jack Kirby, obra maior do mais importante criador de histórias de super-heróis.
Extraordinário criador, capaz de se reinventar continuamente, Jack King Kirby, nasceu como Jacob Kurtzberg, em 1917 e começou a sua carreira artística em 1936, trabalhando em animação no estúdio dos irmãos Fleischer, onde colabora na série Popeye. Em 1939, ingressa nos estúdios Eisner/Iger, onde trabalhou também Bob Kane, o criador de Batman. Aí, sob a orientação de Will Eisner - que relata esses momentos na graphic novel The Dreamer - Kirby esteve directamente ligado ao arranque da indústria dos Comics, produzindo o mais variado tipo de histórias, para várias publicações. Ao longo de uma carreira de décadas, Kirby abordou os mais diversos géneros, do Western, às histórias românticas, passando pelas histórias de monstros e o policial negro, mas foi como criador de super-heróis que ganha um lugar maior na história da Banda Desenhada.
Um percurso que começou em 1940, ao lado de Joe Simon, com quem criou o Capitão América, que inclui títulos como Sky Masters, Black Magic e Chalengers of the Unknown, durante os anos 50, e teve o seu apogeu na década de 60, ao lado de Stan Lee, com a criação da maioria dos heróis da Marvel, de Thor aos Inumanos, passando pelos X-Men, com destaque para o Quarteto Fantástico, em cujas histórias vão aparecer Galactus e o Surfista Prateado, numa história épica, onde a dimensão cósmica da sua arte, que atinge o apogeu com o Quarto Mundo, tem aqui o seu primeiro grande momento.
Se os fãs tinham bem consciência da importância de Kirby no sucesso da Marvel, já os novos donos da editora não estavam tão bem informados, propondo-lhe um contrato de renovação que o seu biógrafo, Mark Evanier descreve como “insultuoso”. Desiludido pela falta de reconhecimento (crítico e material) do seu contributo para a criação do universo Marvel, quando comparado com a atenção dedicada a Stan Lee, Kirby decide trocar a Marvel pela DC no início da década de 70, regressando assim a uma casa para onde já tinha trabalhado com alguma regularidade durante as décadas de 40 e 50, criando a Newsboy Legion, ou reformulando heróis como o Arqueiro Verde, ou o Sandman.
É ai, contando com total liberdade e autonomia, que Kirby vai desenvolver uma ideia que tinha tido nos anos 60, enquanto trabalhava na série Thor, que consistia em explorar o Ragnarok, a morte dos velhos Deuses, como ponto de partida de uma saga épica, que lançasse uma nova mitologia. Esse projecto, irrealizável na Marvel, pois a editora nunca o deixaria matar os Deuses de Asgard, como o Poderoso Thor, vai ser concretizado na DC, dando origem ao Quarto Mundo. Uma saga épica, de uma dimensão cósmica, que levava o termo Larger than Life a uma escala inusitada, inteiramente editada, escrita e desenhada pelo King, cujo contrato com a editora o obrigava a produzir um mínimo de 15 páginas de BD por semana, contando apenas com a participação de Vince Colletta na passagem a tinta dos seus desenhos a lápis.
Ainda antes da saída dos três novos títulos que contam a saga dos Novos Deuses e o combate entre Nova Génese e Apokolips, os personagens do Quarto Mundo fazem a sua aparição gradual na revista Superman's Pal Jimmy Olsen, o primeiro título onde Kirby trabalha no seu regresso à DC, e para o qual vai recuperar personagens como o Guardião e a Newsboy Legion, criadas aquando da sua primeira passagem pela DC (então National Comics) e introduzir conceitos inovadores, como a clonagem e a nanotecnologia.
A presença do Super-Homem na revista - mesmo que os rostos do Homem de Aço e de Jimmy Olsen fosse redesenhadas por Al Plastino, e mais tarde, por Murphy Anderson, para ficarem mais próxima da imagem oficial do Super-Homem na época, que tinha como modelo o Super-Homem desenhado por Curt Swan -  permitiu apresentar as personagens do que viria a ser o Quarto Mundo, a um leque mais vasto de leitores, abrindo o caminho ao lançamento em Fevereiro/Março de 1971 do primeiro número da revista New Gods, a que se seguiram as revistas The Forever People, no mesmo mês  e Mister Miracle, em Abril, completando o conjunto de quatro títulos bimestrais (o que obrigava Kirby a desenhar duas revistas por mês) que contam a história do Quarto Mundo.
Curiosamente, nem o próprio Kirby percebeu muito bem de onde apareceu o termo “Quarto Mundo”, pois a série deveria chamar-se New Gods, mas quando a revista pensada para ter como título Orion, saiu com New Gods na capa, a DC foi obrigada a arranjar um novo título para a série. Mas, com um título ou com outro, o resultado continua a ser uma série extremamente inovadora, na forma como os quatro títulos se articulam, formando uma intricada tapeçaria, pensada para ser recolhida como uma obra fechada, após a sua publicação inicial em revista. Como refere Mark Evanier: “a história, que ele via como finita pelo menos no seu arco inicial, tinha como tema a guerra contra um vilão intergaláctico chamado Darkseid. Essa batalha iria ocupar várias centenas de páginas antes de terminar num final épico. Depois, Kirby esperava que toda essa saga seria editada e recolhida numa série de volumes bem impressos a cores, que estariam sempre disponíveis nas livrarias, como acontece com os livros de Tolkien. “
O tema central da saga dos Novos Deuses é a eterna luta entre o Bem e o Mal, representados por Nova Génese e Apokolips, dois mundos opostos nascidos do conflito cósmico que levou à queda dos Velhos Deuses e ao aparecimento dos Novos Deuses. Para pôr um termo à guerra sem quartel que ameaçava destruir galáxias, Izaya, o Pai Supremo de Nova Génese e o impiedoso Darkseid de Apokolips, decidem trocar filhos como reféns, de modo a assegurar uma trégua. Assim, Orion, o filho de Darkseid vai ser criado em Nova Génese, enquanto Scott Free, o filho de Izaya, é enviado para Apokolips.
É precisamente este momento fulcral da história do Quarto Mundo, que é contado em flashback em O Pacto, episódio que abre o volume da Levoir e que o próprio Kirby considerou em diversas entrevistas como a melhor história que já fez. Este episódio é também importante por dar a conhecer a origem de Scott Free, cuja fuga de Apokolips para a Terra, onde se tornará o Mr. Miracle, traz a guerra entre Apokolips e Nova Génese para o nosso mundo e dá a Darkseid o pretexto ideal para pôr fim à trégua entre Nova Génese e Apokolips. Inspirado directamente no autor de BD, Jim Steranko, que substituiu Kirby como desenhador de Nick Fury e se dedicava ao escapismo, na melhor tradição de Harry Houdini, Scott Free, o Mr. Miracle, vai ser uma figura fulcral do Universo DC, formando com a guerreira Big Barda, um dos raros casais assumidos das histórias de Super-heróis, onde os namoros se prolongam por décadas…
Para além de Big Barda, inspirada visualmente na actriz e cantora Lainie Kazan, a série deu origem a personagens fantásticos, como Metron, que viaja entre o espaço e o tempo na sua cadeira de Moebius, ou caricatas, como Glorious Godfrey, ou o vigarista Funky Flashman, que, dizem as más-línguas, apresentava mais do que uma simples parecença física com Stan Lee… Mas a maior criação de Kirby na série, foi o vilão Darkseid, cujas feições se inspiraram no actor Jack Palance, que ainda hoje continua a ser a encarnação suprema do Mal no Universo DC.
Se quisermos encontrar um adjectivo que melhor descreva o trabalho de Kirby em O Quarto Mundo, o único adequado é mesmo kirbyesco, masépico, também está bastante próximo. Essa dimensão épica está patente na força majestática dos desenhos, na imponência das arquitecturas a que apenas as duplas páginas faziam justiça, na corporalidade miguelangelesca das figuras que se retorcem em poses barrocas, na pura energia que irradia das páginas cheias de acção, na maquinaria impossível, radiante de poder, que Kirby desenhava como ninguém, e também no próprio tom empolado da narrativa e dos diálogos. Aspectos que, aliados aos próprios nomes das personagens, que rementem para a Bíblia (como Izaya e Esak), para a mitologia clássica (como Orion), ou para a literatura - Desaad, o torturador remete para o Marquês de Sade e Kalibak, o filho monstruoso de Darkseid, evoca o Caliban, de A Tempestade, de Shakespeare - mostram a vontade de Kirby em criar uma mitologia para o século XX, pois como o próprio refere numa entrevista de 1984, republicada, quase três décadas mais tarde, na revista Jack Kirby Collector: "com os Novos Deuses, senti que estava a criar uma mitologia para os nossos tempos. Parecia-me que essa mitologia entretinha os leitores, como era o meu objectivo. O que eu estava a fazer era uma parábola dos nossos tempos."
Mas a verdade é que, ao contrário do que o próprio Kirby pensava, a sua criação estava muito à frente do seu tempo e os leitores não estavam ainda preparados para uma história cuja acção se espraiava por quatro títulos diferentes e que lhes pedia uma capacidade de assimilar um grande leque de personagens e de cenários, que fugiam daquilo a que estavam habituados.
O resultado - a que a queda abrupta das vendas de BD nos quiosques, numa altura em que ainda não existia uma rede de livrarias especializadas, ajudou - foi o cancelamento das revistas New Gods e The Forever People ao fim de apenas 11 números e de Mr. Miracle (a mais próxima do registo tradicional das histórias de super-heróis) após 18 números, numa fase em que a história idealizada por Kirby estava ainda bem longe de estar contada.
Só em 1984, aproveitando a reedição da série New Gods, como uma mini-série de seis volumes, Kirby pôde continuar a contar a história dos Novos Deuses, primeiro, com Even Gods Must Die, uma nova história de 48 páginas, incluída no sexto volume dessa reedição, e depois com The Road to Armagetto, uma história de 22 páginas que não chegou a ser publicada, mas cujas páginas foram aproveitadas em The Hunger Gods, uma novela gráfica original, que concluiu, de forma mais ou menos satisfatória a série, deixando no entanto a porta aberta para a utilização das personagens criadas pelo King por outros autores.
Mesmo que Kirby nunca tenha conseguido contar a história que queria, da maneira como queria, o impacto do Quarto Mundo no universo DC é incontornável. Basta ver histórias como The Cosmic Odissey, de Jim Stralin e Mike Mignola, ou as experiências de Walt Simonson com as personagens dos New Gods. Também Mr. Miracle e Barda vão sobreviver ao Quarto Mundo, sendo presença regular no Universo DC e assumindo um papel fundamental na divertidíssima fase da Liga da Justiça escrita por Keith Giffen e J. M De Matteis. Isto já para não falar em Darkseid, que é presença regular na era Novos 52 e que, ao que tudo indica, será o vilão de serviço no filme da Liga da justiça que Zack Snyder está preparar.
Como refere Brent Staples, num artigo publicado no New York Times em 2007, Kirby: “criou uma nova gramática para a narrativa em BD e uma forma cinematográfica de tratar a acção. Personagens antes rígidas saltam de quadrado em quadrado – ou mesmo de página para página – para cair directamente no colo do leitor. A força dos murros desferidos torna-se visível de forma explosiva. Mesmo em repouso, as personagens de Kirby pulsavam de tensão e energia de uma maneira que faz com que as suas versões cinematográficas pareçam estáticas em comparação.”
É por isso que o trabalho de Kirby permanece incontornável, e a edição da Levoir, mesmo que recolha pouco mais de um décimo das páginas que Kirby desenhou da Saga dos Novos Deuses, é uma óptima porta de entrada para o universo fantástico de Jack King Kirby.
Publicado originalmente na revista Bang! nº 20, de Julho de 2016

Novela Gráfica II 8 - Fax de Sarajevo

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CERCADO EM SARAJEVO

Novela Gráfica II – Vol. 8
Fax de Sarajevo
Argumento e Desenho – Joe Kubert
Quinta, 04 de Agosto
Por + 9,90€
Depois da Guerra do Líbano, em A Dança das Andorinhas, de Zeina Abirached, a segunda série da colecção Novela Gráfica volta dar destaque à guerra vista na perspectiva de quem a sofreu na pele, neste caso com Fax de Sarajevo, a adaptação à BD feita por Joe Kubert da experiência real de Ervin Rustemagic, durante o cerco de Sarajevo, no início da década de 90 do século XX.
Nascido em 1926 (no seio de uma família de emigrantes judeus polacos, que imigrou para os Estados Unidos pouco depois do seu nascimento) e falecido em 2012, Kubert começou a trabalhar como arte-finalista para a MLJ Publications aos 12 anos de idade, tendo publicado a sua primeira BD, Voltron, em 1942. Senhor de uma carreira muito preenchida, em que abordou os mais diversos géneros, com destaque para as histórias de guerra, em Sgt Rock, Enemy Ace e Tales of the Green Berets, Kubert, além da sua actividade como autor de BD, foi também professor na Joe Kubert School of Cartoon and Graphics, uma escola de BD fundada por si e por onde passaram grandes talentos, como Stephen Bissette, Amanda Conner, Tom Mandrake e Adam e Andy Kubert, os dois filhos de Joe Kubert, que optaram por seguir as pisadas do pai com grande sucesso.
Na altura em que rebentou a guerra na ex-Jugoslávia, Kubert estava a trabalhar num álbum gigante da série Tex para a editora italiana Bonelli, trabalho que tinha sido intermediado pelo seu editor Ervin Rustemagic, que negociava os direitos das séries da Bonelli fora de Itália, mas optou por interromper esse Tex para escrever e desenhar Fax de Srajevo, sobre o drama bem real de Ervin Rustemagic.
Fundador e proprietário da editora Strip Art Features (SAF), Rustemagic lançou-se no mercado editorial de banda desenhada em 1972, com apenas 19 anos, quando começou a publicar uma revista de BD, distribuída por toda a Jugoslávia. Durante os anos 80, Rustemagic consolidou a sua posição como agente de direitos, representando no mercado editorial internacional grandes nomes, como Hugo Pratt, Carlos Trillo, Hermann, o desenhador de Bernard Prince e, claro, Joe Kubert.
Instalado nos arredores de Sarajevo, Rustemagic, assistiu impotente ao agudizar de um conflito latente desde a morte do General Tito, na década de 80, cujo punho de ferro mantinha artificialmente unida a então República Federal Socialista da Jugoslávia, que acabaria por se dividir numa série de pequenas repúblicas, correspondentes às diferentes comunidades étnicas e religiosas, de croatas, sérvios e muçulmanos. Com a proclamação de independência da Bósnia-Herzegovina, os sérvios da Bósnia, com o apoio de Belgrado, iniciam em Abril de 1992 o bombardeamento e cerco de Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina. Um cerco que se prolongará, durante mais de três anos, até Setembro de 1995.
Rustemagic e a sua família vêm a casa ser destruída pelos bombardeamentos sérvios, que não pouparam também os escritórios da sua editora, destruindo um espólio único de mais de 14.000 pranchas originais de BD. Refugiado na cave de um edifício, numa cidade sobre bombardeamentos constantes, em que a existência de electricidade e água canalizada eram luxos raros, e os tiros dos snipers eram uma ameaça constante, Rustemagic tinha como único contacto com o mundo exterior, uma linha telefónica (que nem, sempre funcionava) e um aparelho de fax, através do qual relatava aos seus amigos, como Joe Kubert, a sua luta para sobreviver. São precisamente esses faxes que serviram de base a Kubert para transformar em imagens o inferno vivido pelo seu editor e pela sua família, num livro fortíssimo.
Pode dizer-se, sem exagero, que foi a BD que salvou a vida de Rustemagic, pois para além de usar revistas de BD e placas de metal para forrar o carro, diminuindo assim o impacto das balas dos snipers que o alvejavam sempre que tinha que se deslocar ao consulado francês, o editor apenas conseguiu sair de Sarajevo graças ao esforço conjunto de uma série de autores que representava, como Joe Kubert, Hermann e Hugo Pratt.
Publicado originalmente em 1996, Fax de Sarajevo foi considerada a melhor Novela Gráfica do ano pelo New York Times, ganhou os Prémios Eisner e Harvey no ano seguinte e o Prémio de Melhor Livro Estrangeiro no Festival de Angoulême de 1998. Vinte anos depois, aqui está finalmente a edição portuguesa!
Publicado originalmente no jornal Público de 29/07/2016

Novela Gráfica II 9 - Valentina

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VALENTINA DE CREPAX FINALMENTE EM PORTUGUÊS

Novela Gráfica – Vol. 9
Valentina
11 de Agosto
Argumento e Desenho – Guido Crepax
Por + 9,90€
Depois de Sergio Toppi na série anterior, a colecção Novela Gráfica dá descobrir aos leitores portugueses mais um grande nome dos fumetti, a BD italiana: Guido Crepax que com Valentina, a sua mais popular criação e uma das mais sensuais heroínas da BD europeia, está em destaque no volume nove.
Nascido em Milão em 1933, Crepax formou-se em arquitectura, mas cedo trocou essa área pelo mundo da publicidade, fazendo carreira como ilustrador publicitário, ilustrando capas de livros e discos, para além de ter ilustrado uma campanha publicitária para a Shell, que lhe valeu a Palma de Ouro, em 1957. Em 1959, decidiu trocar a publicidade pela Banda Desenhada, estreando-se na revista Tempo Médico. Mas o momento decisivo da sua carreira dá-se em 1965, quando começa a publicar na revista Linus a série Neutron. É precisamente numa aventura de Neutron, La Curva di Lesmo, que surge pela primeira vez Valentina Rosselli, uma fotógrafa de moda, como personagem secundária. Uma personagem, fisicamente inspirada nas actrizes Louise Brooks (a protagonista de A Caixa de Pandora), Anna Karina (a musa de Godard) e na sua própria mulher, Luísa, que se vai rapidamente emancipar e tornar-se a sua mais conhecida criação, graças às suas aventuras surreais, desenhadas com grande elegância e uma planificação e divisão da página inovadoras, em que o onirismo e o erotismo se fundem e confundem.
Das mais de 30 histórias protagonizadas por Valentina entre 1965 e 1995, este volume recolhe quatro. As duas primeiras dão a conhecer ao leitor a origem de Valentina. Segue-se Baba Yaga, uma história de 1971 em que Valentina enfrenta a famosa bruxa do folclore russo, que seria adaptada ao cinema dois anos depois, num filme realizado por Corrado Farina, que tinha dirigido anteriormente um documentário sobre Crepax.
A fechar, temos Valentina no Metro, uma criativa (e emotiva) homenagem de Crepax à Banda Desenhada e aos seus heróis e criadores, onde Valentina se cruza com os principais heróis clássicos da BD e com outras criações do próprio Crepax. Publicada originalmente por episódios no jornal Corriere d’Informazione, a história foi pensada para as páginas de grande formato do jornal. E (coisa rara nas reedições recentes da obra de Crepax) surge aqui publicada no formato pretendido pelo autor, com as páginas “deitadas”, sendo por isso antecedida de uma introdução de duas páginas em que a própria Valentina explica ao leitor que precisa virar o livro para continuar a ler a história.
Publicado originalmente no jornal Público de 05/08/2016
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